quarta-feira, 14 de março de 2018

Uma tradição santarena

Quando cheguei a Santarém, em janeiro de 2009, uma das primeiras coisas que fiz foi conhecer a cidade em que iria fincar raízes: andei pela região central e pela orla do rio Tapajós - o mais "belo rio do mundo", segundo dizem por aqui - e experimentei as comidas locais: tacacá (com tucupi adoçado, o que é típico da cidade), vatapá (não confundir com o vatapá baiano, com o qual o do Pará tem de comum, além do nome, o óleo de dendê e a origem africana), farofa de piracuí, maniçoba, pato no tucupi...

Tratei logo de procurar o que ler sobre a Capital da Tapajônia, e graças a um amigo tive o primeiro contato com a obra do maestro Wilson "Isoca" Fonseca (1912-2002), que além de compositor e instrumentista deixou registros escritos sobre a história da cidade em sua obra monumental Meu Baú Mocorongo (mocorongo é termo pelo qual os santarenos se referem carinhosamente - e com orgulho - a si mesmos e a sua cultura).

Fiquei sabendo, por exemplo, que viajantes que por aqui passaram no século XIX já observavam que os hábitos locais eram distintos dos da capital do Grão-Pará, Belém, e de Manaus e outras cidades, como se Santarém tivesse uma cultura própria, só sua. Os santarenos, até hoje, têm certeza disso!

Mas nem tudo são rosas.

Esta cidade de mais de 350 anos guarda outras tradições menos dignas de orgulho. Uma delas é constituída dos bueiros (ou bocas de lobo) da cidade, verdadeiras armadilhas para os pedestres, que além de enfrentar ruas intransitáveis e calçadas sem pavimento, ainda precisam tomar cuidado para não cair em bueiros abertos que mais parecem portas escancaradas para o inferno!

Conheci muitos deles e fotografei alguns, que já estavam assim quando os conheci, em 2009, e continuam como eram: sem as tampas, com tampas quebradas, desmoronados, ou simplesmente sem qualquer traço de que algum dia foram, de fato, um bueiro. Bem conservados, como se vê...

A preservação desses bueiros, assim abertos como bocas a gritar contra a incúria dos homens, é mais uma das ricas tradições santarenas.

Atualização necessária (27 de fevereiro de 2020):

Dos bueiros cujas fotos reproduzo abaixo, apenas o da esquina da Luís Barbosa com Presidente Vargas (foto 2) continua do mesmo jeito; os outros três foram reformados.

No caso dos dois bueiros da esquina da Presidente Vargas com Magalhães Barata (fotos 3 e 4), o motivo da inesperada reforma parece ter sido a instalação de dois grandes empreendimentos comerciais, nos dois lados da esquina, e eles não combinavam com aquelas perigosas crateras. (Enquanto havia ali só um terreno baldio e uma casa abandonada...)

A tradição continua em outros (e muitos!) pontos da cidade. :)

Foto 1: Av. Presidente Vargas, entre Tv. Agripina de Matos e Tv. Luís Barbosa

Foto 2: Av. Presidente Vargas X Tv. Luís Barbosa

Foto 3: Av. Presidente Vargas X Av. Magalhães Barata

Foto 4: Av. Presidente Vargas X Av. Magalhães Barata

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