quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Causos da ditadura: Garrafa azul!

Era o ano de 1969. O Brasil, desde o ano anterior, vivia sob o AI-5; o país era governado pelo general Emílio Garrastazu Médici.

Na cidade de Alenquer, Pará, durante uma aula, um aluno de primário resolveu fazer uma brincadeira e, ao responder o nome do presidente, disse:

- "Emílio GARRAFA AZUL!"

A professora, desesperada, mandou o aluno calar a boca:

- "É perigoso!"

Fonte: MONTEIRO, Áurea Nina. Os silêncios da Cubinha: O Golpe Militar de 1964, em Alenquer. Alenquer, PA: [S.n.], 2014.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A força do perdão

Vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta.
Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele.
(Mateus V, 24, 25).
Pedro Lameira de Andrade (1880-1938) foi um importante divulgador do espiritismo no Brasil no início do século XX, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, como benemérito e palestrante. Atuou junto a diversas casas espíritas, algumas das quais ajudou a fundar, e foi orador da Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) e outras instituições.
Reproduzo abaixo um episódio havido por ocasião de uma palestra de Pedro Lameira de Andrade, conforme narrado por Paulo Alves Godoy no capítulo 32 de seu livro Grandes Vultos do Espiritismo, uma das obras em que o autor traça pequenas biografias de figuras de destaque da doutrina espírita no Brasil e no mundo. Godoy não cita a data, mas suponho que o fato tenha ocorrido na década de 1930.
“Certa ocasião, chegada a hora designada para a realização de uma conferência sobre o tema "O Perdão", na Sede da Associação "Verdade e Luz", choveu torrencialmente. Apenas estavam na sede da instituição o orador, Elói Lacerda e outros dois companheiros. Lameira, vendo o salão vazio, aventou a ideia de fazer uma prece e encerrar a reunião, sugestão prontamente repelida pelos presentes. A palestra foi proferida, portanto, como se o salão estivesse repleto. A determinada hora entrou no recinto uma pobre mulher, toda molhada, esperando resguardar-se da chuva.
Assentando-se nas últimas cadeiras, passou a prestar inusitada atenção às palavras do conferencista.
Ao finalizar a palestra, ela aproximou-se do orador e lhe disse: "Graças a Deus entrei nesta casa e ouvi suas palavras. Eu estava decidida a cometer um crime nesta noite. Entretanto, agora compreendo as razões de minha desorientação e vou tomar rumo diferente, vou lutar contra as forças negativas que quase me desviaram do caminho do bem." Lameira abraçou-a comovido, alegrando-se intimamente pelo fato de ter servido de ponte para que aquela criatura se reencontrasse e viesse a descortinar novos horizontes.”
GODOY, Paulo Alves. Grandes Vultos do Espiritismo. 3ª edição. São Paulo: Edições FEESP, 2011. Capítulo 32.
Santarém, PA, 20/12/2016. Leia e curta também no Wordpress.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Causos da Ditadura: O general e o bispo

Agosto de 1977. O Brasil é governado pelo general Ernesto Geisel, que visita a cidade de Santarém, PA, para a inauguração da usina hidrelétrica de Curuá-Una, no rio de mesmo nome.
O bispo de Santarém é Dom Tiago Ryan, clérigo americano radicado na região desde 1943 e responsável pela diocese desde 1957.
Ao encontrar-se com D. Tiago, o general Geisel pergunta:
– “Como vai o seu rebanho, reverendo?”
Ao que o bispo responde prontamente:
– “O meu vai bem, e o seu?”

Fonte: SENA, Cristovam (Org.). Dom Tiago: o missionário do Tapajós. Santarém, PA: Instituto Cultural Boanerges Sena - ICBS, 2012.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Amassando errado!

Ao chegar a Santarém, Pará, em 2009, tratei logo de transferir meu título de eleitor para o novo domicílio eleitoral. E já no ano seguinte, 2010, fui convocado pela Justiça Eleitoral para atuar como mesário nas eleições.
Fui nomeado presidente de uma seção eleitoral numa área distante de Santarém, no distrito do Lago Grande de Curuai. Partindo da sede do município, na sexta-feira anterior ao domingo da votação, depois do almoço, navegamos por cerca de sete horas em B/M (barco a motor ou, como se diz aqui, barco-motor). Chegamos a uma localidade na margem direita do Amazonas, antes da meia-noite; ali se atracaram os barcos e dormimos em redes atadas dentro das próprias embarcações.
No dia seguinte, sábado, véspera da votação, um pouco antes do meio-dia, depois de viajar horas de ônibus numa estrada de terra (e poeira, muita poeira!) e em carros ou na garupa de motocicletas por “ramais” que mais parecem trilhas, chegamos às comunidades onde seriam instaladas as aparelhagens para a “festa da democracia”!
A historinha para por aqui, pois meu intuito é outro, e vou direto ao ponto.
Fui presidente de seção ali em 2010 (dois turnos) e 2011 (plebiscito). Uma das coisas que notei naquela comunidade de ribeirinhos – cuja seção eleitoral tinha menos de 80 eleitores – foi um uso sui generis (pelo menos para mim) do verbo amassar com o sentido de “apertar teclas ou botões” ou, simplesmente, “teclar”.
De fato, vários eleitores ainda mostravam certa dificuldade e falta de intimidade com equipamentos eletrônicos e seus botões ou teclas, incluindo-se a urna eletrônica. Durante a votação, os eleitores brincam uns com os outros: “Não vá AMASSAR errado”, “Não AMASSE errado”, “Não esqueça de AMASSAR o verde”, “Ih! AMASSOU errado!” etc. Muito curioso esse uso de amassar, num contexto em que muita gente usa e vê/ouve teclar ou apertar. Uso apenas local ou comum a outras áreas da Amazônia? Cabe pesquisa sobre o assunto.
Lembrei disso tudo estes dias porque um jornalista de alta plumagem acadêmica contou numa TV “news” que uma reforma da previdência deixou de ser aprovada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998, 1999-2002) por falta de um único voto. Segundo ele, o deputado Antônio Kandir (PSDB/SP) se confundiu na hora de usar o sistema de voto eletrônico e, pensando estar votando SIM, votou NÃO – e a proposta não passou na Câmara dos Deputados. Que lambança!
Fica o conselho aos tucanos de todas as plumagens: na hora de votar, se tiverem problemas com os dedos, usem o bico, pois vocês são muito bons nisso. Mas não AMASSEM o botão errado!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O homem de bem segundo Allan Kardec


O HOMEM DE BEM
Allan Kardec
3 – O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e caridade, na sua maior pureza. Se interroga a sua consciência sobre os próprios atos, pergunta se não violou essa lei, se não cometeu o mal, se fez todo o bem que podia, se não deixou escapar voluntariamente uma ocasião de ser útil, se ninguém tem do que se queixar dele, enfim, se fez aos outros aquilo que queria que os outros fizessem por ele.
Tem fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria; sabe que nada acontece sem a sua permissão, e submete-se em todas as coisas à sua vontade.
Tem fé no futuro, e por isso coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.
Sabe que todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas as decepções, são provas ou expiações, e as aceita sem murmurar.
O homem possuído pelo sentimento de caridade e de amor ao próximo faz o bem pelo bem, sem esperar recompensa, paga o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifica sempre o seu interesse à justiça.
Encontra sua satisfação nos benefícios que distribui, nos serviços que presta, nas venturas que promove, nas lágrimas que faz secar, nas consolações que leva aos aflitos. Seu primeiro impulso é o de pensar nos outros, antes que em si mesmo, de tratar dos interesses dos outros, antes que dos seus. O egoísta, ao contrário, calcula os proveitos e as perdas de cada ação generosa.
É bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças nem de crenças, porque vê todos os homens como irmãos.
Respeita nos outros todas as convicções sinceras, e não lança o anátema aos que não pensam como ele.
Em todas as circunstâncias, a caridade é o seu guia. Considera que aquele que prejudica os outros com palavras maldosas, que fere a suscetibilidade alheia com o seu orgulho e o seu desdém, que não recua à ideia de causar um sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando a pode evitar, falta ao dever do amor ao próximo e não merece a clemência do Senhor.
Não tem ódio nem rancor, nem desejos de vingança. A exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas, e não se lembra senão dos benefícios. Porque sabe que será perdoado, conforme houver perdoado.
É indulgente para as fraquezas alheias, porque sabe que ele mesmo tem necessidade de indulgência, e se lembra destas palavras do Cristo: “Aquele que está sem pecado atire a primeira pedra”.
Não se compraz em procurar os defeitos dos outros, nem a pô-los em evidência. Se a necessidade o obriga a isso, procura sempre o bem que pode atenuar o mal.
Estuda as suas próprias imperfeições, e trabalha sem cessar em combatê-las. Todos os seus esforços tendem a permitir-lhe dizer, amanhã, que traz em si alguma coisa melhor do que na véspera.
Não tenta fazer valer o seu espírito, nem os seus talentos, às expensas dos outros. Pelo contrário, aproveita todas as ocasiões para fazer ressaltar a vantagens dos outros.
Não se envaidece em nada com a sua sorte, nem com os seus predicados pessoais, porque sabe que tudo quanto lhe foi dado pode ser retirado.
Usa mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe tratar-se de um depósito, do qual deverá prestar contas, e que o emprego mais prejudicial para si mesmo, que poderá lhes dar, é pô-los ao serviço da satisfação de suas paixões.
Se nas relações sociais, alguns homens se encontram na sua dependência, trata-os com bondade e benevolência, porque são seus iguais perante Deus. Usa sua autoridade para erguer-lhes a moral, e não para os esmagar com o seu orgulho, e evita tudo quanto poderia tornar mais penosa a sua posição subalterna.
O subordinado, por sua vez, compreende os deveres da sua posição, e tem o escrúpulo de procurar cumpri-los conscientemente. (Ver cap. XVII, nº 9.)
O homem de bem, enfim, respeita nos seus semelhantes todos os direitos que lhes são assegurados pelas leis da natureza, como desejaria que os seus fossem respeitados.
Esta não é a relação completa das qualidades que distinguem o homem de bem, mas quem quer que se esforce para possuí-las, estará no caminho que conduz às demais.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de José Herculano Pires. Capítulo XVII, 3. Disponível em: <https://evangelhoespirita.wordpress.com/>.

Nota:
Considero este trecho um dos mais emblemáticos e representativos do aspecto moral do pensamento de Allan Kardec. É uma descrição ou roteiro que pode ser seguido por qualquer pessoa, independentemente de convicções religiosas.
Depois de ver na Internet - e principalmente nas redes sociais - tantas pessoas a declarar-se "homens ou mulheres de bem", "gente de bem", "cidadãos de bem" (ou seria de ben$?), tenho a impressão de que o epíteto de bem está na moda, pelo que decidi compartilhar este trecho como contribuição para discussão sobre conceito tão deturpado.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

A frescura do macho

Uma propaganda de desodorantes para “cabra-macho” garante que o consumidor, ao usar o produto, se sente “refrescante”.

REFRESCANTE? Alguma coisa aqui me parece confusa.

As terminações -ANTE, -ENTE e -INTE encontradas em muitas formas derivadas de verbos indicam sempre processo ativo, nunca passivo; essas formas deverbais qualificam sempre o agente, nunca o objeto (quando há) da ação, do processo.

A palavra refrescante é derivada de refrescar, que significa “tornar fresco”; logo refrescante é aquilo ou aquele que refresca algo ou alguém. Água é refrescante; suco, refresco e refrigerante são refrescantes. Tereré é refrescante. Até cerveja e caipirinha são refrescantes – embora me pareça que nem todos as bebam para refrescar-se.

O gás usado em equipamentos de refrigeração – geladeiras, congeladores e ares-condicionados – é gás refrigerante; aliás, os refrigerantes têm esse nome não porque são postos a gelar em refrigeradores, mas porque refrigeram, isto é, refrescam.

A coisa ou pessoa que se refrescou se torna refrescada ou fresca – nunca refrescante.

A peça publicitária em questão foi feita no exterior e é falada originalmente em inglês; foi traduzida e dublada em português. Mas o que levou os publicitários brasileiros que adaptaram esta campanha ao Brasil a usar o termo refrescante em lugar de refrescado ou fresco? Desconhecimento da própria língua? Falta de dicionário? Vontade de criar moda?

Creio que foi machismo.

No discurso do macho brasileiro não há uso positivo de vocábulos como fresco, refrescar, refrescado, frescura; aliás, fresco e afrescalhado são sinônimos eufemísticos referentes (no mais das vezes) aos homossexuais, enquanto frescura é substantivo – de valor concreto ou abstrato, conforme o contexto – com uso quase sempre pejorativo.

Vocês acham que, num contexto cultural como o nosso, a publicidade de um produto para “cabra-macho” usaria os termos corretos e adequados refrescado ou fresco? Use nosso desodorante e fique completamente fresco…

Assim não pode, assim não dá, assim não é possível!

Será que algum macho brasileiro o compraria? É claro que não! Macho que é macho não se refresca - e quando se refresca, não o confessa...

Nossos publicitários, então, não pensaram duas vezes, e usaram erradamente uma palavra para não ferir os brios dos machões de plantão. Eis um dos problemas decorrentes da publicidade de empresas multinacionais, feita na matriz para divulgação em outros países.

Será esta uma nova tendência do português no Brasil, sob influência dos publicitários? Num país de iletrados, onde as pessoas leem pouco e não consultam dicionários – mas passam horas na frente da TV –, não me admirará que logo alguém diga que, durante a menoridade de Pedro II, o país foi “governante” ou “regente” por governos provisórios; ou que a água da chuva é “absorvente” pelo solo…

Aqueles que acham que a língua portuguesa está em decadência têm um novo inimigo: o machismo da publicidade brasileira. Ou a frescura dela.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A ascensão de uma dinastia

FÈVRE, Francis. Faraó. Tradução de Maria Alice Gelman. São Paulo: Mercuryo, 1990. 291 pp.
[Pharaon. Paris: Presses de la Renaissance, 1987.]

Ao contrário de dois outros livros do autor publicados no Brasil (Faraona de Tebas e O Último Faraó) – os quais eu classifico como documentários históricos –, este livro Faraó de Francis Fèvre é uma obra de ficção, um romance histórico ambientado no Egito de meados do século XVI a.C. E, como todo romance histórico, o autor usa um pano de fundo de fatos ocorridos e documentados – de conhecimento, pois, dos historiadores – para construir sua narrativa, preenchendo lacunas da história com elementos que lhe proporcionem um enredo verossímil, baseado em seu conhecimento do período.
Não é este texto uma análise literária e acadêmica, mas apenas um comentário despretensioso, e anteciparei alguns fatos do enredo, baseados em fatos históricos de conhecimento geral, sem descer aos meandros da narrativa; trata-se de informações que constam dos livros de história e podem ser facilmente encontradas em pesquisas feitas em obras de referência ou na Internet.
O contexto da história do romance Faraó é o seguinte:
No século XVIII a.C., chega ao fim o Reino ou Império Médio do Egito, com a queda da autoridade central do faraó. O Egito fragmenta-se e entra na época que os historiadores chamam II Período Intermediário, com o poder entregue aos príncipes locais, chefes dos nomos ou províncias. Aproveitando a fragmentação do país, os hicsos – povo semita originário de Canaã e Síria – conquista e submete os nomos do norte (Baixo Egito), estabelecendo sua capital em Aváris, no Delta do Nilo. Os reis hicsos adotam o título de faraó e passam a usar a coroa vermelha do Baixo Egito, ameaçando os demais nomarcas.
Até aqui temos os fatos históricos conhecidos. A narrativa do romance começa quando o domínio dos hicsos sobre o Norte já dura cerca de cem anos. Sekenenrê, príncipe de Tebas e mais poderoso nomarca do Alto Egito, prepara pacientemente suas tropas e aliados para invadir o Delta e expulsar os hicsos; ao mesmo tempo, precisa impedir o avanço dos hicsos rumo ao sul, com o intuito de sublevar os núbios contra Tebas, o que poderia dar aos asiáticos o domínio sobre todo o país.
Após as provocações e ameaças de Apópi, rei dos hicsos, Sekenenrê invade o Baixo Egito e é morto em batalha; é sucedido por seu filho Kamés, que assume o trono de Tebas e continua a luta contra os hicsos. Kamés, porém, não reina por muito tempo. Sobe ao trono seu irmão Ahmosis – inicialmente um jovem destinado ao sacerdócio –, que leva Tebas à vitória contra os hicsos, expulsando-os, destruindo sua capital e unificando o Egito novamente sob um único rei.
Inicia-se ali o período conhecido como Novo Império. Ahmosis foi o primeiro soberano e fundador da XVIII dinastia, conhecida como Améssida, a mais vitoriosa do Egito. Sob o governo dos améssidas, as fronteiras do Egito alcançaram sua extensão máxima e o país tornou-se uma potência regional expansionista. Pertencem a essa dinastia soberanos como Tutmés I; a filha deste, faraona Hatshepsut; Tutmés III, o Napoleão Egípcio; Amenhotep (ou Amenófis) IV, mais tarde conhecido como Aquenáton; Tutancâmon; e Horemheb, o último faraó desta linhagem.
No decorrer da narrativa, além das manobras militares, cenas de caçadas e batalhas, cerimônias públicas e festins no harém, tramas e alianças políticas da Núbia à Fenícia, é descrita a vida luxuosa no palácio de Tebas e as muitas intrigas ali presentes; o ódio da mãe de Sekenenrê, Tetishery, contra sua nora Ahhotep e seu neto Ahmosis; as desconfianças de Ahmosis em relação a sua irmã e esposa Nefertari; a forte amizade entre Ahmosis e seu mentor espiritual, o sacerdote Amenhotep, também conselheiro de sua mãe; as tensões com os núbios, envolvidos em guerras tribais que ameaçam a estabilidade da relação de vassalagem com Tebas e, depois, com o Egito reunificado.
Como dito mais acima, o autor usa fatos (nem todos ainda consolidados historiograficamente) da história egípcia para a construção do enredo, preenchendo as lacunas com suposições para uma melhor verossimilhança. Assim se dá, por exemplo, quanto ao grau de parentesco entre Sekenenrê, Kamés e Ahmosis, pois não se sabe com certeza se Kamés e Ahmosis eram irmãos e se eram filhos de Sekenenrê, ou se este era um irmão mais velho de Kamés e pai de Ahmosis.
Outro fato nebuloso e aproveitado no enredo diz respeito às circunstâncias da morte de Sekenenrê. Sua múmia é conhecida e foi estudada por cientistas; os ferimentos no crânio mostram que foi ferido em batalha a golpes de espada ou machado. Além disso, o exame indicou que a mumificação se iniciou com o corpo já em decomposição, o que explica seu estado: supõe-se que o corpo foi resgatado do campo de batalha e demorou a ser embalsamado.
O romance é bom, é bem constituído e tem os fatos bem encadeados. Gostei dele, que é bem escrito e prende a atenção do início ao fim. Teve apenas uma edição no Brasil, podendo ser encontrado agora apenas em sebos, mas com preços convidativos.
Boa leitura e distração garantida para os interessados em boa ficção histórica e no Egito antigo.
(Resenha publicada originalmente no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/resenhas/211718/edicao:237019.)