quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Causos da ditadura: Garrafa azul!

Era o ano de 1969. O Brasil, desde o ano anterior, vivia sob o AI-5; o país era governado pelo general Emílio Garrastazu Médici.

Na cidade de Alenquer, Pará, durante uma aula, um aluno de primário resolveu fazer uma brincadeira e, ao responder o nome do presidente, disse:

- "Emílio GARRAFA AZUL!"

A professora, desesperada, mandou o aluno calar a boca:

- "É perigoso!"

Fonte: MONTEIRO, Áurea Nina. Os silêncios da Cubinha: O Golpe Militar de 1964, em Alenquer. Alenquer, PA: [S.n.], 2014.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

A força do perdão

Vai conciliar-te primeiro com teu irmão, e depois vem apresentar a tua oferta.
Concilia-te depressa com o teu adversário, enquanto estás no caminho com ele.
(Mateus V, 24, 25).
Pedro Lameira de Andrade (1880-1938) foi um importante divulgador do espiritismo no Brasil no início do século XX, principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro, como benemérito e palestrante. Atuou junto a diversas casas espíritas, algumas das quais ajudou a fundar, e foi orador da Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP) e outras instituições.
Reproduzo abaixo um episódio havido por ocasião de uma palestra de Pedro Lameira de Andrade, conforme narrado por Paulo Alves Godoy no capítulo 32 de seu livro Grandes Vultos do Espiritismo, uma das obras em que o autor traça pequenas biografias de figuras de destaque da doutrina espírita no Brasil e no mundo. Godoy não cita a data, mas suponho que o fato tenha ocorrido na década de 1930.
“Certa ocasião, chegada a hora designada para a realização de uma conferência sobre o tema "O Perdão", na Sede da Associação "Verdade e Luz", choveu torrencialmente. Apenas estavam na sede da instituição o orador, Elói Lacerda e outros dois companheiros. Lameira, vendo o salão vazio, aventou a ideia de fazer uma prece e encerrar a reunião, sugestão prontamente repelida pelos presentes. A palestra foi proferida, portanto, como se o salão estivesse repleto. A determinada hora entrou no recinto uma pobre mulher, toda molhada, esperando resguardar-se da chuva.
Assentando-se nas últimas cadeiras, passou a prestar inusitada atenção às palavras do conferencista.
Ao finalizar a palestra, ela aproximou-se do orador e lhe disse: "Graças a Deus entrei nesta casa e ouvi suas palavras. Eu estava decidida a cometer um crime nesta noite. Entretanto, agora compreendo as razões de minha desorientação e vou tomar rumo diferente, vou lutar contra as forças negativas que quase me desviaram do caminho do bem." Lameira abraçou-a comovido, alegrando-se intimamente pelo fato de ter servido de ponte para que aquela criatura se reencontrasse e viesse a descortinar novos horizontes.”
GODOY, Paulo Alves. Grandes Vultos do Espiritismo. 3ª edição. São Paulo: Edições FEESP, 2011. Capítulo 32.
Santarém, PA, 20/12/2016. Leia e curta também no Wordpress.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Causos da Ditadura: O general e o bispo

Agosto de 1977. O Brasil é governado pelo general Ernesto Geisel, que visita a cidade de Santarém, PA, para a inauguração da usina hidrelétrica de Curuá-Una, no rio de mesmo nome.
O bispo de Santarém é Dom Tiago Ryan, clérigo americano radicado na região desde 1943 e responsável pela diocese desde 1957.
Ao encontrar-se com D. Tiago, o general Geisel pergunta:
– “Como vai o seu rebanho, reverendo?”
Ao que o bispo responde prontamente:
– “O meu vai bem, e o seu?”

Fonte: SENA, Cristovam (Org.). Dom Tiago: o missionário do Tapajós. Santarém, PA: Instituto Cultural Boanerges Sena - ICBS, 2012.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Amassando errado!

Ao chegar a Santarém, Pará, em 2009, tratei logo de transferir meu título de eleitor para o novo domicílio eleitoral. E já no ano seguinte, 2010, fui convocado pela Justiça Eleitoral para atuar como mesário nas eleições.
Fui nomeado presidente de uma seção eleitoral numa área distante de Santarém, no distrito do Lago Grande de Curuai. Partindo da sede do município, na sexta-feira anterior ao domingo da votação, depois do almoço, navegamos por cerca de sete horas em B/M (barco a motor ou, como se diz aqui, barco-motor). Chegamos a uma localidade na margem direita do Amazonas, antes da meia-noite; ali se atracaram os barcos e dormimos em redes atadas dentro das próprias embarcações.
No dia seguinte, sábado, véspera da votação, um pouco antes do meio-dia, depois de viajar horas de ônibus numa estrada de terra (e poeira, muita poeira!) e em carros ou na garupa de motocicletas por “ramais” que mais parecem trilhas, chegamos às comunidades onde seriam instaladas as aparelhagens para a “festa da democracia”!
A historinha para por aqui, pois meu intuito é outro, e vou direto ao ponto.
Fui presidente de seção ali em 2010 (dois turnos) e 2011 (plebiscito). Uma das coisas que notei naquela comunidade de ribeirinhos – cuja seção eleitoral tinha menos de 80 eleitores – foi um uso sui generis (pelo menos para mim) do verbo amassar com o sentido de “apertar teclas ou botões” ou, simplesmente, “teclar”.
De fato, vários eleitores ainda mostravam certa dificuldade e falta de intimidade com equipamentos eletrônicos e seus botões ou teclas, incluindo-se a urna eletrônica. Durante a votação, os eleitores brincam uns com os outros: “Não vá AMASSAR errado”, “Não AMASSE errado”, “Não esqueça de AMASSAR o verde”, “Ih! AMASSOU errado!” etc. Muito curioso esse uso de amassar, num contexto em que muita gente usa e vê/ouve teclar ou apertar. Uso apenas local ou comum a outras áreas da Amazônia? Cabe pesquisa sobre o assunto.
Lembrei disso tudo estes dias porque um jornalista de alta plumagem acadêmica contou numa TV “news” que uma reforma da previdência deixou de ser aprovada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998, 1999-2002) por falta de um único voto. Segundo ele, o deputado Antônio Kandir (PSDB/SP) se confundiu na hora de usar o sistema de voto eletrônico e, pensando estar votando SIM, votou NÃO – e a proposta não passou na Câmara dos Deputados. Que lambança!
Fica o conselho aos tucanos de todas as plumagens: na hora de votar, se tiverem problemas com os dedos, usem o bico, pois vocês são muito bons nisso. Mas não AMASSEM o botão errado!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O homem de bem segundo Allan Kardec


O HOMEM DE BEM
Allan Kardec
3 – O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e caridade, na sua maior pureza. Se interroga a sua consciência sobre os próprios atos, pergunta se não violou essa lei, se não cometeu o mal, se fez todo o bem que podia, se não deixou escapar voluntariamente uma ocasião de ser útil, se ninguém tem do que se queixar dele, enfim, se fez aos outros aquilo que queria que os outros fizessem por ele.
Tem fé em Deus, na sua bondade, na sua justiça e na sua sabedoria; sabe que nada acontece sem a sua permissão, e submete-se em todas as coisas à sua vontade.
Tem fé no futuro, e por isso coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.
Sabe que todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas as decepções, são provas ou expiações, e as aceita sem murmurar.
O homem possuído pelo sentimento de caridade e de amor ao próximo faz o bem pelo bem, sem esperar recompensa, paga o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifica sempre o seu interesse à justiça.
Encontra sua satisfação nos benefícios que distribui, nos serviços que presta, nas venturas que promove, nas lágrimas que faz secar, nas consolações que leva aos aflitos. Seu primeiro impulso é o de pensar nos outros, antes que em si mesmo, de tratar dos interesses dos outros, antes que dos seus. O egoísta, ao contrário, calcula os proveitos e as perdas de cada ação generosa.
É bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças nem de crenças, porque vê todos os homens como irmãos.
Respeita nos outros todas as convicções sinceras, e não lança o anátema aos que não pensam como ele.
Em todas as circunstâncias, a caridade é o seu guia. Considera que aquele que prejudica os outros com palavras maldosas, que fere a suscetibilidade alheia com o seu orgulho e o seu desdém, que não recua à ideia de causar um sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando a pode evitar, falta ao dever do amor ao próximo e não merece a clemência do Senhor.
Não tem ódio nem rancor, nem desejos de vingança. A exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas, e não se lembra senão dos benefícios. Porque sabe que será perdoado, conforme houver perdoado.
É indulgente para as fraquezas alheias, porque sabe que ele mesmo tem necessidade de indulgência, e se lembra destas palavras do Cristo: “Aquele que está sem pecado atire a primeira pedra”.
Não se compraz em procurar os defeitos dos outros, nem a pô-los em evidência. Se a necessidade o obriga a isso, procura sempre o bem que pode atenuar o mal.
Estuda as suas próprias imperfeições, e trabalha sem cessar em combatê-las. Todos os seus esforços tendem a permitir-lhe dizer, amanhã, que traz em si alguma coisa melhor do que na véspera.
Não tenta fazer valer o seu espírito, nem os seus talentos, às expensas dos outros. Pelo contrário, aproveita todas as ocasiões para fazer ressaltar a vantagens dos outros.
Não se envaidece em nada com a sua sorte, nem com os seus predicados pessoais, porque sabe que tudo quanto lhe foi dado pode ser retirado.
Usa mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe tratar-se de um depósito, do qual deverá prestar contas, e que o emprego mais prejudicial para si mesmo, que poderá lhes dar, é pô-los ao serviço da satisfação de suas paixões.
Se nas relações sociais, alguns homens se encontram na sua dependência, trata-os com bondade e benevolência, porque são seus iguais perante Deus. Usa sua autoridade para erguer-lhes a moral, e não para os esmagar com o seu orgulho, e evita tudo quanto poderia tornar mais penosa a sua posição subalterna.
O subordinado, por sua vez, compreende os deveres da sua posição, e tem o escrúpulo de procurar cumpri-los conscientemente. (Ver cap. XVII, nº 9.)
O homem de bem, enfim, respeita nos seus semelhantes todos os direitos que lhes são assegurados pelas leis da natureza, como desejaria que os seus fossem respeitados.
Esta não é a relação completa das qualidades que distinguem o homem de bem, mas quem quer que se esforce para possuí-las, estará no caminho que conduz às demais.
KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. Tradução de José Herculano Pires. Capítulo XVII, 3. Disponível em: <https://evangelhoespirita.wordpress.com/>.

Nota:
Considero este trecho um dos mais emblemáticos e representativos do aspecto moral do pensamento de Allan Kardec. É uma descrição ou roteiro que pode ser seguido por qualquer pessoa, independentemente de convicções religiosas.
Depois de ver na Internet - e principalmente nas redes sociais - tantas pessoas a declarar-se "homens ou mulheres de bem", "gente de bem", "cidadãos de bem" (ou seria de ben$?), tenho a impressão de que o epíteto de bem está na moda, pelo que decidi compartilhar este trecho como contribuição para discussão sobre conceito tão deturpado.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

A frescura do macho

Uma propaganda de desodorantes para “cabra-macho” garante que o consumidor, ao usar o produto, se sente “refrescante”.

REFRESCANTE? Alguma coisa aqui me parece confusa.

As terminações -ANTE, -ENTE e -INTE encontradas em muitas formas derivadas de verbos indicam sempre processo ativo, nunca passivo; essas formas deverbais qualificam sempre o agente, nunca o objeto (quando há) da ação, do processo.

A palavra refrescante é derivada de refrescar, que significa “tornar fresco”; logo refrescante é aquilo ou aquele que refresca algo ou alguém. Água é refrescante; suco, refresco e refrigerante são refrescantes. Tereré é refrescante. Até cerveja e caipirinha são refrescantes – embora me pareça que nem todos as bebam para refrescar-se.

O gás usado em equipamentos de refrigeração – geladeiras, congeladores e ares-condicionados – é gás refrigerante; aliás, os refrigerantes têm esse nome não porque são postos a gelar em refrigeradores, mas porque refrigeram, isto é, refrescam.

A coisa ou pessoa que se refrescou se torna refrescada ou fresca – nunca refrescante.

A peça publicitária em questão foi feita no exterior e é falada originalmente em inglês; foi traduzida e dublada em português. Mas o que levou os publicitários brasileiros que adaptaram esta campanha ao Brasil a usar o termo refrescante em lugar de refrescado ou fresco? Desconhecimento da própria língua? Falta de dicionário? Vontade de criar moda?

Creio que foi machismo.

No discurso do macho brasileiro não há uso positivo de vocábulos como fresco, refrescar, refrescado, frescura; aliás, fresco e afrescalhado são sinônimos eufemísticos referentes (no mais das vezes) aos homossexuais, enquanto frescura é substantivo – de valor concreto ou abstrato, conforme o contexto – com uso quase sempre pejorativo.

Vocês acham que, num contexto cultural como o nosso, a publicidade de um produto para “cabra-macho” usaria os termos corretos e adequados refrescado ou fresco? Use nosso desodorante e fique completamente fresco…

Assim não pode, assim não dá, assim não é possível!

Será que algum macho brasileiro o compraria? É claro que não! Macho que é macho não se refresca - e quando se refresca, não o confessa...

Nossos publicitários, então, não pensaram duas vezes, e usaram erradamente uma palavra para não ferir os brios dos machões de plantão. Eis um dos problemas decorrentes da publicidade de empresas multinacionais, feita na matriz para divulgação em outros países.

Será esta uma nova tendência do português no Brasil, sob influência dos publicitários? Num país de iletrados, onde as pessoas leem pouco e não consultam dicionários – mas passam horas na frente da TV –, não me admirará que logo alguém diga que, durante a menoridade de Pedro II, o país foi “governante” ou “regente” por governos provisórios; ou que a água da chuva é “absorvente” pelo solo…

Aqueles que acham que a língua portuguesa está em decadência têm um novo inimigo: o machismo da publicidade brasileira. Ou a frescura dela.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A ascensão de uma dinastia

FÈVRE, Francis. Faraó. Tradução de Maria Alice Gelman. São Paulo: Mercuryo, 1990. 291 pp.
[Pharaon. Paris: Presses de la Renaissance, 1987.]

Ao contrário de dois outros livros do autor publicados no Brasil (Faraona de Tebas e O Último Faraó) – os quais eu classifico como documentários históricos –, este livro Faraó de Francis Fèvre é uma obra de ficção, um romance histórico ambientado no Egito de meados do século XVI a.C. E, como todo romance histórico, o autor usa um pano de fundo de fatos ocorridos e documentados – de conhecimento, pois, dos historiadores – para construir sua narrativa, preenchendo lacunas da história com elementos que lhe proporcionem um enredo verossímil, baseado em seu conhecimento do período.
Não é este texto uma análise literária e acadêmica, mas apenas um comentário despretensioso, e anteciparei alguns fatos do enredo, baseados em fatos históricos de conhecimento geral, sem descer aos meandros da narrativa; trata-se de informações que constam dos livros de história e podem ser facilmente encontradas em pesquisas feitas em obras de referência ou na Internet.
O contexto da história do romance Faraó é o seguinte:
No século XVIII a.C., chega ao fim o Reino ou Império Médio do Egito, com a queda da autoridade central do faraó. O Egito fragmenta-se e entra na época que os historiadores chamam II Período Intermediário, com o poder entregue aos príncipes locais, chefes dos nomos ou províncias. Aproveitando a fragmentação do país, os hicsos – povo semita originário de Canaã e Síria – conquista e submete os nomos do norte (Baixo Egito), estabelecendo sua capital em Aváris, no Delta do Nilo. Os reis hicsos adotam o título de faraó e passam a usar a coroa vermelha do Baixo Egito, ameaçando os demais nomarcas.
Até aqui temos os fatos históricos conhecidos. A narrativa do romance começa quando o domínio dos hicsos sobre o Norte já dura cerca de cem anos. Sekenenrê, príncipe de Tebas e mais poderoso nomarca do Alto Egito, prepara pacientemente suas tropas e aliados para invadir o Delta e expulsar os hicsos; ao mesmo tempo, precisa impedir o avanço dos hicsos rumo ao sul, com o intuito de sublevar os núbios contra Tebas, o que poderia dar aos asiáticos o domínio sobre todo o país.
Após as provocações e ameaças de Apópi, rei dos hicsos, Sekenenrê invade o Baixo Egito e é morto em batalha; é sucedido por seu filho Kamés, que assume o trono de Tebas e continua a luta contra os hicsos. Kamés, porém, não reina por muito tempo. Sobe ao trono seu irmão Ahmosis – inicialmente um jovem destinado ao sacerdócio –, que leva Tebas à vitória contra os hicsos, expulsando-os, destruindo sua capital e unificando o Egito novamente sob um único rei.
Inicia-se ali o período conhecido como Novo Império. Ahmosis foi o primeiro soberano e fundador da XVIII dinastia, conhecida como Améssida, a mais vitoriosa do Egito. Sob o governo dos améssidas, as fronteiras do Egito alcançaram sua extensão máxima e o país tornou-se uma potência regional expansionista. Pertencem a essa dinastia soberanos como Tutmés I; a filha deste, faraona Hatshepsut; Tutmés III, o Napoleão Egípcio; Amenhotep (ou Amenófis) IV, mais tarde conhecido como Aquenáton; Tutancâmon; e Horemheb, o último faraó desta linhagem.
No decorrer da narrativa, além das manobras militares, cenas de caçadas e batalhas, cerimônias públicas e festins no harém, tramas e alianças políticas da Núbia à Fenícia, é descrita a vida luxuosa no palácio de Tebas e as muitas intrigas ali presentes; o ódio da mãe de Sekenenrê, Tetishery, contra sua nora Ahhotep e seu neto Ahmosis; as desconfianças de Ahmosis em relação a sua irmã e esposa Nefertari; a forte amizade entre Ahmosis e seu mentor espiritual, o sacerdote Amenhotep, também conselheiro de sua mãe; as tensões com os núbios, envolvidos em guerras tribais que ameaçam a estabilidade da relação de vassalagem com Tebas e, depois, com o Egito reunificado.
Como dito mais acima, o autor usa fatos (nem todos ainda consolidados historiograficamente) da história egípcia para a construção do enredo, preenchendo as lacunas com suposições para uma melhor verossimilhança. Assim se dá, por exemplo, quanto ao grau de parentesco entre Sekenenrê, Kamés e Ahmosis, pois não se sabe com certeza se Kamés e Ahmosis eram irmãos e se eram filhos de Sekenenrê, ou se este era um irmão mais velho de Kamés e pai de Ahmosis.
Outro fato nebuloso e aproveitado no enredo diz respeito às circunstâncias da morte de Sekenenrê. Sua múmia é conhecida e foi estudada por cientistas; os ferimentos no crânio mostram que foi ferido em batalha a golpes de espada ou machado. Além disso, o exame indicou que a mumificação se iniciou com o corpo já em decomposição, o que explica seu estado: supõe-se que o corpo foi resgatado do campo de batalha e demorou a ser embalsamado.
O romance é bom, é bem constituído e tem os fatos bem encadeados. Gostei dele, que é bem escrito e prende a atenção do início ao fim. Teve apenas uma edição no Brasil, podendo ser encontrado agora apenas em sebos, mas com preços convidativos.
Boa leitura e distração garantida para os interessados em boa ficção histórica e no Egito antigo.
(Resenha publicada originalmente no Skoob: https://www.skoob.com.br/livro/resenhas/211718/edicao:237019.)

terça-feira, 29 de novembro de 2016

A Cadela de Buchenwald [poema de Julius Balbin]

A CADELA DE BUCHENWALD
OU
RÉQUIEM PARA A PELE
(La Hundulino de Buchenwald aŭ Rekviemo por la Haŭto)
Julius Balbin
Traduzido do esperanto por Júlio César Pedrosa
Rasgada e cheia de cicatrizes das pancadas
e contraída pela fome,
coberta apenas por uma
fétida
camisa
listrada
esfarrapada,
tu eras mais do que somente pele:
eras um brinquedo –
objeto de exibição
para uma curiosidade mórbida.
De todos os demônios
dos infernos de Hitler,
Frau* Ilse Koch,
a vadia de Buchenwald*,
parecia apreciar-te a ti no mais alto grau;
e, particularmente, àqueles entre vós
a portar tatuagens,
que provocavam nela
um espasmo
de ideias vibrantes
de algum desenho
para seus abajures.
Certa vez
ela arranjou uma festa
para comemorar
sua nova exposição.
A mais admirada
pelos membros da SS e pelos guardas
eras tu
tão coloridamente tatuada
com as palavras
HAENSEL UND GRETEL*
brilhando acima da lâmpada.
Sim, pele,
os comentários
e olhares elogiosos deles
teriam sido mais podres
do que tu,
se tu tivesses apodrecido
na terra infestada de vermes.
Requiescat in pacem*,
pele,
as orgias dos bárbaros
acabaram.
1982
BALBIN, Julius. La Hundulino de Buchenwald aŭ Rekviemo por la Haŭto. In: Imperio de l’ Koroj: Du Poemaroj. Pizo, Italujo [Pisa, Itália]: Edistudio, 1989. p. 197-198.

Notas:
1- Frau – Em alemão no original: “senhora”.
2- Buchenwald – Campo de concentração nas proximidades de Weimar, estado da Turíngia (Thüringen), Alemanha.
3- Hansel und Gretel – Nomes alemães dos personagens João e Maria, respectivamente, da fábula de mesmo nome, recolhida e difundida pelos irmãos Grimm.
4- Requiescat in pacem – Em latim no original: “Descansa em paz”; é a origem da abreviação RIP.
O autor:
Julius Balbin (1917-2006) nasceu em Cracóvia, Polônia, no seio de uma família judia. Foi preso pelos alemães e passou por vários campos de concentração. Após o fim da II Guerra Mundial estudou em Viena, Áustria, e emigrou em 1951 para os Estados Unidos da América, onde por muitos anos foi professor universitário, retornando à Europa em 2005. Faleceu em Aye, Bélgica. Publicou vários livros de poemas em esperanto, inglês e polonês.
Um artigo de Julius Balbin (em inglês): “The Secret Malady of Esperanto Poetry” (1973).

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Cinco poemas de Olga Maria Scuoteguazza

Capa de Jerônimo Oliveira.
CONTENÇÃO

Lava as mãos na pia,
com o sabonete das estrelas.
Depois alisa teimosia e creme sobre o rosto.
No espelho, um riso indisposto é sorrido.
Confere a limpeza dos dentes,
e depois mente
a si própria que tem sono.
Encosta a cabeça tonta, no travesseiro macio.
O corpo é só um fio
de vida exangue.
E as mãos dormem avermelhadamente manchadas.
De beterraba.
Nunca de sangue.

SABEDORIA

Sei e conheço de você
involuntariamente
mais que a prova dos noves,
mais que a quinta sinfonia de Beethoven,
mais que análise sintática,
sintaxe,
concordância,
geometria plana,
aritmética.
Mais que a lei da oferta e da procura,
pré-história,
invasão holandesa...

E, por incrível que pareça,
ainda não basta.

A NOITE

A noite é uma vigia
de olhos de estrela.
Uma vadia
febril, obscena.
A noite é o dia
no tempo do cio.
A noite é um fio
que eletriza a poesia.
A noite é o dia
vestido no avesso.
A noite é começo
da luz prepotente.
A noite é valente
sem medo do escuro.
O dia é um muro
e atrás vem a noite.
O dia é a pressa
da noite seguinte.
O dia é o ouvinte
das coisas da noite.
O dia é o açoite.
A noite o deleite.
O dia é o aceite.
A noite o revide.
O dia é o dia.
E a noite é à toa.
O dia se vinga.
E a noite perdoa.

RELICÁRIO

Na primeira gaveta do armário
no relicário de todos os meus pertences,
guardo uma caixa de afetos permanentes,
prediletos,
como por excelência.
Um outro embrulho
de conteúdo semelhante,
a prata de um quarto minguante,
um poema do pessoa,
e um terço.

E por debaixo da sutil e pessoal riqueza
respaldo a insistência e a firmeza
com que sempre apostei na tua vinda:

Guardo uma toalha de mesa, sem uso,
e um lençol, muito branco, de linho.

PAIXÃO

Num determinado instante
teu semblante limpo
me comove à beça.
Teu olhar bonito
me atravessa forte.
Tua íris brinca o meu olhar
em cortes,
tão fundos.
Como uma lua cheia
teu brilho azul passeia
minha surpresa atônita.
Como um flash instantâneo
tua íris faz planos
e conta.
Fotografo, muda,
todos os seus mistérios.
E tonta,
de tantas revelações
a me ocorrer por dentro,
fecho os olhos devagar,
como se houvesse tempo.
E já não há.

In: SCUOTEGUAZZA, Olga Maria. Ensaios de Foyer. São Paulo: Syllaba, 1989. p. 20, 23, 25, 31, 43.

Santarém, PA, 23/11/2016. Leia e curta também no Wordpress.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

De "mundança"

Acho que eles não apenas se mudaram, mas caíram no mundo.

Foto: Júlio César Pedrosa, 11/11/2016.

Enciclopédia Coxinha: TEMARX

Fonte: www.hikarisushibar.com
Temarx é uma iguaria japonesa de inspiração comunista. Sua receita básica consiste em alga (cor verde alusiva aos ecochatos) e arroz (influência vietcongue ou chinesa maoista). Se acompanhado de salmão, tem um tom vermelho inconfundível que torna mais fácil sua identificação.

Seu consumo é cada vez maior nos grandes centros urbanos do Mundo Livre, principalmente junto à população jovem e intelectualmente influenciável.

Na América Latina, sua principal estratégia de infiltração é a facilidade de combinação com ingredientes locais, como feijões e pimenta no México; atum e quinoa no Peru; chipá no Paraguai; chorizo e doce de leite na Argentina; carne seca, jerimum e açaí no Brasil.

O temarx dissemina-se no Brasil ardilosamente, por meio de prática típica do capitalismo local: os restaurantes especializados servem-no em sistema de rodízio, com preço fixo que permite ao pagante comer à vontade; o cliente depois não consegue mais viver sem ele.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Bairrismos linguísticos e culinários

Certas efemérides regionalistas e sua repercussão nos últimos dias, nas redes sociais, fizeram-me lembrar de fatos que presenciei há uns 16 ou 17 anos, quando eu terminava minha graduação numa universidade estadual.

Numa disciplina optativa, conheci um estudante de doutorado, vindo de outro estado. (Não cito o lugar de origem nem o curso que fazia, pois isto não importa; além disso, não critico pessoas, mas sim comportamentos e ideias. Infelizmente, em relação a algumas coisas, as pessoas só variam quanto ao número do RG...)

A pessoa era muito bairrista, orgulhosa de seu lugar de origem. Costumava vangloriar-se de sua "rusticidade", opondo-a à urbanidade do grande centro em que estudava: "Eu como é com a mão!"

Opção dele – nada contra!

Mas, apesar de estar num doutorado, era um tolo; dizia certas coisas que só se podiam atribuir à ingenuidade, mas que me espantavam, pois vinham de um quase doutor.

Por exemplo: ele certa vez se confundiu com uma locução, uma frase feita popular do local; tinha certeza de que era a pronúncia errada de um termo relativo a culto religioso de seu estado de origem. Ora, a frase em questão nada tinha que ver com aquilo, nem o contexto o possibilitava. Completou ele: "Está errado, na minha terra a gente pronuncia assim ou assado, a pronúncia correta não é essa"!

Outra vez ele foi além e atacou a variedade linguística local: "É incrível como o povo daqui fala errado a língua portuguesa; já ouviu aquela música que diz 'Os Mano! As mina!'? Como pode?".

E tudo isso era dito com a maior naturalidade, num tom que beirava lamento e pena... o que só posso atribuir à ingenuidade e falta de reflexão sobre o que dizia. Falta de vivência que nenhum diploma pode proporcionar.

Não é o caso de outra historinha de que me lembrei agora.

Em 2002 eu lia certo jornal semanal (ressuscitado) de crítica e sátira social, política, econômica etc. Entre muitos nomes consagrados da imprensa brasileira crítica, alternativa e mordaz, escrevia por lá um jornalista já veterano e insensado, bem conhecido de leitores de vários jornais e revistas do País.

É um cara culto e viajado, que já chegou a gabar-se de ter uma "livraria preferida em Nova Iorque". Sim, isso é para quem pode, não é para quem quer...

Como decíamos ayer... Num de seus artigos no jornalzim, em meados de 2002, ele disse não suportar o "sotaque do estafeta das Casas Bahia", o qual coincidentemente é natural do mesmo estado em que as Casas Bahia têm sua sede.

Não creio se tratar de ingenuidade; foi um comentário maldoso. E não me lembro de ninguém que o tenha criticado.

Já em 2004, num programa de uma TV do tipo cultura, falando sobre culinária regional, o distinto jornalista disse que a "culinária do estado X é mais brasileira, porque tem elementos indígenas, europeus e africanos combinados; a culinária do estado Y é basicamente uma culinária africana".

Resumindo o que foi dito: para ele, tendo como referência um suposto grau de brasilidade, a comida do estado X (um estado do Sudeste – e não se trata de São Paulo!) é superior à comida do estado Y (que é um estado do Nordeste).

O superjornalista continua por aí, vivito y coleando...

Deixei de simpatizar com dele. Para mim, o local de origem e a simpatia por uma ideia política não isentam ninguém para ofender os outros.


terça-feira, 11 de outubro de 2016

Língua petralha

Enfim descobri por que tantos brasileiros (não só da classe dirigente) odeiam a língua portuguesa, consideram-na um idioma inferior e alimentam o sonho de que um dia o Brasil abandone o português e passe a falar inglês.

A resposta é fácil e óbvia, estava o tempo todo embaixo de meu nariz.

É que a sigla internacional da língua portuguesa é PT...

Santarém, PA, 11/10/2016.

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Anacronismo magiar

Coisa que (ainda) muito me espanta é ver pessoas instruídas dizendo coisas absurdas, principalmente anacronismos, isto é, ideias e conceitos fora de seu contexto histórico. Se gente que estudou nas melhores escolas brasileiras diz coisas que tais...

Numa TV do tipo news, um conhecido empresário brasileiro, filho de húngaros, dá entrevista sobre sua vida e profissão. Diz que seu pai chegou ao Brasil após a II Guerra Mundial e só falava húngaro e alemão, pois lá “a segunda língua não era o inglês, mas o alemão”, como ele sabiamente nos informa. Nosso empresário de sucesso acrescenta que, além do português e do inglês, fala também húngaro, que aprendeu em casa.

Não vou comentar que ele diz ser o húngaro um idioma que “não tem utilidade nenhuma, falado por 11 milhões de pessoas, 10 milhões delas na Hungria”.

Húngaros já foram laureados 12 vezes com o Prêmio Nobel, sendo 1 deles o de Literatura. Se o húngaro é inútil, como afirma nosso célebre amigo, que dizer de línguas com menos falantes, como o estoniano, o letão ou o frísio? E as línguas indígenas brasileiras? As australianas? As de Papua Nova Guiné? As da África?

Prefiro o personagem José Costa do romance Budapeste, de Chico Buarque, o qual diz que “o húngaro é a única língua que o Diabo respeita”. Uma saída mais esperta – acho eu.

Mas o que me interessa aqui é outra coisa.

O inglês só se tornou este fenômeno que conhecemos após a II Guerra; até então, apesar do poderio do Império Britânico e da crescente dominação político-econômica dos EUA, a língua inglesa era bem menos influente. O francês era a língua da diplomacia e da cultura; regionalmente, outras línguas exerciam as mesmas funções, como o alemão na Europa Oriental e Bálcãs.

Não se tratava de capricho. Não tinha sido uma escolha por meio de plebiscito, com a disputa entre inglês e alemão e vitória deste idioma. Não foi resultado de grupo de trabalho ou medida provisória do Ministério da Educação da Hungria. A explicação vem da história.

Até a I Guerra Mundial, a Hungria fez parte do Império Austríaco, eufemisticamente conhecido como Império Austro-Húngaro (que de húngaro tinha pouco ou nada, pois era só austro, dominado pelos Habsburgos de Viena). O alemão austríaco era a língua do governo, da administração, do comércio e da indústria, da instrução, da ciência, das discussões no parlamento. No âmbito da Áustria-Hungria, todas as pessoas instruídas falavam alemão, não importando sua origem étnica.

Não era por outro motivo que um tcheco chamado Franz Kafka escrevia em alemão, e não em tcheco (Boêmia, Morávia e Eslováquia também eram parte do Império da Áustria).

Por muito tempo o alemão foi a segunda língua dos húngaros instruídos. Não creio que o deslocamento da Hungria para a órbita da União soviética e o crescente prestígio do russo junto ao governo e a intelligentsia dos países da Cortina de Ferro tenham mudado muito isso; o inglês como segunda língua é coisa recente, e na Hungria surge, como em outros lugares, há uns 25 anos, após a queda do comunismo.

Falar em inglês como segunda língua num contexto em que isto não seria possível é um grande, um tremendo anacronismo. Quem ouve nosso empresário dizendo tal coisa (ainda que tenha saído meio sem pensar) acha que naquela época havia opções e os húngaros resolveram ir contra a tendência do mundo livre!

Não duvido de que logo apareça um sabichão dizendo que a correspondência diplomática entre egípcios e hititas nos séculos XIV e XIII antes de Cristo era feita em acadiano, com escrita cuneiforme e suporte de tabuletas de argila, apenas porque nas chancelarias de Tebas e Hattusa não havia quem soubesse inglês. Ou que a expansão do latim pela Europa Ocidental, com o posterior surgimento das línguas neolatinas, ocorreu porque os gauleses, francos, iberos e lusitanos achavam o inglês muito difícil...

Santarém, PA, 26/9/2016.

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sexta-feira, 23 de setembro de 2016

O beijo segundo Cyrano de Bergerac

Um beijo? Mas que vem a ser um beijo ao certo?
É um juramento feito um pouco mais de perto,
É uma confissão de amor, que bem depressa
Queremos confirmada. O beijo é uma promessa,
É um segredo que toma a boca pelo ouvido,
Momento divinal, que faz como um zumbido
Caricioso de abelha. O beijo, meu amor,
É uma comunhão, tendo gosto de flor,
Maneira deliciosa e maneira inebriante
De haurir-se todo o aroma a um coração amante,
E de gozar-se uma alma, à flor de uns lábios quentes.

Edmont Rostand, Cyrano de Bergerac. Ato III, Cena X. Tradução de Ricardo Gonçalves.

In: GONÇALVES, Ricardo. Ipês. São Paulo: Monteiro Lobato e Cia., [1921]. p. 104.

Santarém, PA, 23/9/2016.

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segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Inveja maravilhosa

De acordo com alguns comentadores progressistas e safos das redes sociais, muitas das críticas aos gastos elevados e outros problemas da Olimpíada de 2016 são de paulistas invejosos da realização dos Jogos Olímpicos na cidade do Rio de Janeiro.
Será?
Sou suspeito para opinar, pois sou paulista e crítico da realização de eventos desse tipo; creio que os esforços humanos e financeiros do país devem convergir para outros fins de que estamos mais necessitados.
Não precisamos de megaeventos. Precisamos de melhores escolas, melhor saúde, saneamento e investimento em ciência e infraestrutura.
Não quero medalhas. Quero que crianças e jovens saibam matemática, leiam e escrevam com fluência e compreendam a evolução das espécies.
Segundo esses formadores de opinião de caixas de comentários, se alguém critica a Rio 2016, só pode ser paulista!
Portanto, ou os paulistas são mais numerosos do que se pensa, ou muita gente no Brasil tem em si - para seu infortúnio - um pouco de paulista... e não sabe!
Ou (o que é o mais provável) tais críticas nada têm que ver com o bairrismo nojento de que ainda não nos livramos - e que parece ter-se fortalecido nos últimos tempos.
Santarém, PA, 22/8/2016.

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Acidente argentino

Uma jornalista da TV Globo News disse que o cineasta Héctor Babenco, recentemente falecido, era brasileiríssimo, e só “nasceu na Argentina por acidente”.
Quer dizer que nascer na Argentina é acidente?
Aguardo há tempos que os defensores do “politicamente correto” se manifestem contra o preconceito de nossos meios de comunicação contra a Argentina e seu povo. Se não se aceitam comentários ou gracejos desse tipo contra outros grupos, por que aceitá-los quando se referem aos argentinos?
E há ofensas até piores do que esta. Dois exemplos:
  • Em outra TV do tipo news, um jornalista e apresentador, ao referir-se a uma famosa chef argentina radicada no Brasil, e que seria entrevistada por ele, disse que “ela é argentina MAS é gente boa”. Ato falho?
  • Num programa reality show de atendimento médico de urgência, médicos conversam enquanto cuidam de um paciente; a conversa referia-se a algum tipo de procedimento médico: “Está brincando! Duvido que isso tenha sido inventado por um argentino! Já viu alguma coisa boa vir da Argentina?”
E tudo transmitido pela TV!
Esse tipo de preconceito é inculcado em nossa população o tempo todo – e não se trata apenas de rivalidade esportiva.
Dizem que é esta a diferença entre brasileiros e argentinos: enquanto dizemos que Deus é brasileiro, os portenhos TÊM CERTEZA de que Ele NÃO É argentino.
Está explicado, pois!
Santarém, PA, 29/7/2016.