domingo, 4 de maio de 2014

As aparências enganam...

José Agostinho da Fonseca em 1928.
Fonte: wilsonfonseca.com.br.
As aparências enganam, não poucas vezes.

Em seu livro José Agostinho da Fonseca: o Músico Poeta, em que traça a biografia de seu pai, o maestro, compositor e instrumentista José Agostinho da Fonseca (Manaus, AM, 1886-Santarém, PA, 1945), o escritor santareno Wilmar Dias da Fonseca (1915-1984) conta a seguinte e curiosa história, que, com certeza, deve ter-se passado também com outras pessoas.

O fato ocorreu em Belém, Pará, no início do século XX, quando o futuro maestro José Agostinho estudava no Instituto Lauro Sodré, lá sediado. Num dia de festa do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, José Agostinho e uns amigos resolveram arrematar alguma das comidas prontas oferecidas em leilão no Arraial do Círio. Nada conseguiram e a fome os apertava. Vejamos, nas palavras de Wilmar, o que sucedeu:
“Um deles sugeriu:
- Vamos comprar sardinha em lata.
O alvitre foi aceito.
Numa das barracas do arraial viram na prateleira uma lata bem maior do que a comum, com um bonito peixe estampado. Perguntaram ao barraqueiro:
- Quanto custa aquela lata?
1$500 [mil e quinhentos réis], é de quilo.
Embrulha, por favor.
Ao sentirem nas mãos o peso e o tamanho do embrulho, comentaram:
- Puxa vida, aqui tem muito peixe!
Adiante compraram pães e num botequim duas garrafas de cerveja gelada. Com os trocados restantes tomaram um trago de vermute.
Uma peixada com uma geladinha ia muito bem, todos concordaram.
Essa extravagância nem o diretor nem o prof. Jerônimo podiam saber. O álcool era-lhes proibido e a estória do bombo ainda estava fresca...
A seguir, arranjaram folhas de jornal e saíram em busca de um local sossegado, por trás do templo. Encontraram-no, exatamente como queriam: uma rua deserta e escura. Lá fizeram da calçada mesa e do jornal toalha. Tudo arrumadinho, acocorados cuidaram avidamente de libertar os peixinhos da apertura incômoda em que se encontravam... Aberta a lata, eles se entreolharam espantados: não era sardinha – era goiabada!”
Fonseca, Wilmar Dias da. José Agostinho da Fonseca: o Músico Poeta. Santarém, Pará: Edição do Autor, 1978.

Publicidade de produtos da Peixe na década de 1950.
Fonte: www.almanaque.blog.br.
A leitura do trecho acima deixa fora de questão que se tratava de uma lata de goiabada produzida pela Fábrica Peixe, grupo industrial que já foi um dos principais produtores de conservas do país. Fundada em Pesqueira, Pernambuco, em fins do século XIX, a Peixe foi uma das pioneiras da industrialização na região Nordeste e chegou a ter unidades em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo; foi premiada no exterior e obteve reconhecimento, mas entrou em declínio. Foi nos anos 1990 comprada pelo grupo italiano Cirio e desapareceu, lamentavelmente.
Mais sobre a Fábrica Peixe.


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