sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Mr. Tupperware e os tapoés

Uma das formas por que se transformam todas as línguas, inclusive a nossa, é a recepção de palavras de origem estrangeira; cada língua tem seus recursos próprios (fonológicos, morfológicos, sintáticos etc.), e os termos estrangeiros sempre se adaptam fonologicamente – mesmo que, às vezes, não na grafia – à língua que os recebe.

Quem reconhece, nas palavras chulipa e sinuca, os termos ingleses sleeper e snooker, respectivamente? A grafia futebol resulta de nossa pronúncia do inglês football; os nomes Josué e Jesus vieram ambos do hebraico Yehoshua (através da forma reduzida Yeshua, de que proveio a forma latina Iesu); Tiago, Diego, Diogo, Iago, Jaime e Jacó são (pasme-se!) formas originárias (por caminhos diversos) do mesmo nome hebraico Yaakov, e assim sucessivamente...

As formas tapoé, tapoer, tapaué e tapué nada mais são que são adaptações gráficas das pronúncias brasileiras correntes do nome Tupperware, empresa multinacional americana fabricante de plásticos, fundada por Earl Silas Tupper; mesmo quem conhece a grafia original do nome e escreve Tupperware não o pronuncia como em inglês, por influência da prosódia do português. A grafia adaptada sempre aparece e se consolida bem depois da adaptação fonética: quando se passou a escrever futebol, já fazia muito tempo que se pronunciava assim, bem diferente de football. É questão de tempo até que se fixe uma grafia vernácula dessa palavra (talvez a própria forma tapoé), sendo depois registrada em dicionários e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (ABL).

A parte a polêmica sobre a aceitação ou não de termos emprestados de outras línguas, o fato é que a adaptação de palavras importadas sempre ocorre e é, inicialmente, fonética (pois a palavra estrangeira nunca é pronunciada exatamente como é na língua de origem). Depois se cria uma forma vernácula (isto é, de acordo com a língua receptora) para representar a palavra estrangeira. Vejam o exemplo de abajur, que veio do francês abat-jour; nossa grafia atual é a representação da adaptação fonológico-fonética da palavra francesa à nossa língua. É o mesmo que ocorre com tapoé; se grafamos Taperuér ou coisa parecida, a grafia está obviamente errada em relação ao original inglês; mas, no caso que temos aqui, trata-se uma adaptação da pronúncia à nossa grafia, pois as pessoas ouvem a palavra mas nem sempre sabem que se trata de termo estrangeiro; pensam que é português (e não são obrigadas a pensar de outro modo) e escrevem o que ouvem – ou como acham que ouvem.

Escrever "caza" ou "Brasiu" é errar na grafia; mas em casos como o de Tupperware/tapoé, em que não há palavra portuguesa (a não ser que se chame de "potinho de plástico") para o objeto, como considerar errado ou inadequado?


King Camp Gillete estampado na embalagem
 do produto que o tornou célebre.
Para terminar, observemos que Tupperware é um dos nomes próprios ou de marcas de produtos que se tornaram designativos de objetos genéricos. Talvez os mais notórios exemplos sejam carrasco (do nome do verdugo português Belquior Nunes Carrasco, século XV); macadame (processo de pavimentação de estradas criado pelo engenheiro escocês John Loudon McAdam) e gilete (do nome do inventor da lâmina de barbear descartável, King Camp Gillete); tapoé, portanto, no português coloquial brasileiro é qualquer "pote plástico com tampa".

Exemplos como estes mostram a língua em plena atividade, dinâmica e saudável... apesar de opiniões em contrário.

Santarém, PA, 14/2/2014. Editado em 12/2/2016.

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