sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Na ilha de Flores, língua portuguesa é bem-vinda

"E se mais mundo houvera, lá chegara."
Camões, Os Lusíadas.

Livro de orações em português usado em Flores, Indonésia.

O observatório da Língua Portuguesa (http://www.observatorio-lp.sapo.pt) publicou, no último dia 23, matéria de Andreia Nogueira sobre a iniciativa de ensinar o português a comunidades católicas da ilha de Flores, Indonésia, próxima a Timor. Trata-se de ilha que até o século XIX pertenceu ao Império Português; a comunidade é descendente de nativos que se mesclaram a portugueses, e muitos conservam até hoje a religião católica e orações em português, apesar de terem esquecido a língua. Os católicos romanos constituem a maioria da população de mais de 1.800.000 habitantes da ilha.
A presença portuguesa na região é datada do início do século XVI. Apesar de se terem retirado há muito tempo, os portugueses deixaram vestígios no indonésio e outras línguas da região: bola, boneka, keju (“queijo”), sekolah (“escola”), segundo a reportagem da Agência Lusa.
O português foi a primeira língua europeia moderna a se tornar internacional; foi, durante muito tempo, língua de contato em vastas regiões da África e Ásia, e seus vestígios ainda se encontram por lá, principalmente sob a forma de crioulos, nome dado a línguas resultantes de mescla de idiomas europeus (as bases dessas línguas crioulas) e idiomas locais, como ocorreu em partes da África, Ásia e América.
É possível que alguns crioulos de base inglesa, francesa e espanhola tenham origem em antigos crioulos de base portuguesa, devido à substituição de colonizadores portugueses por outros europeus após a cessão de colônias mediante guerras ou acordos.
A distribuição do português por extensas áreas asiáticas (até o Japão) levou o linguista romeno Eugenio Coșeriu a chamá-lo "o volapük do Extremo Oriente" num artigo de 1993: http://www.romling.uni-tuebingen.de/coseriu/publi/coseriu276.pdf.
Pode não ser muito, mas é nosso (pelo menos de quem não tem vergonha de nossa língua).

Reproduzo abaixo o texto da matéria, com o atalho para a página.

Flores Oriental, na Indonésia, quer ensinar português às crianças e aos fiéis católicos
A administração regional das Flores Oriental, na Indonésia, quer ensinar português às crianças, à confraria "Rainha do Rosário" e ao grupo Mama Muji, que reza na língua de Camões há vários séculos, no seguimento da evangelização de missionários católicos portugueses na região.
"Nós temos um grande plano. Podemos ter classes de português aqui, mas temos um problema com a falta de professores", disse à agência Lusa o regente das Flores Oriental, Joseph Lagadoni Herin, acrescentando que pretende cooperar com a embaixada portuguesa na Indonésia ou com as autoridades de Timor-Leste para encontrar a pessoa certa.
Assim que tiver um professor, o regente das Flores Oriental quer iniciar as aulas de modo consistente e regular. "Não nos é difícil iniciar o português aqui, porque o português tem a mesma estrutura que o Indonésio. Logo, nós esperamos que as crianças, a confraria e o Mama Muju possam aprender", salientou Joseph Lagadoni Herin.
O Mama Muji ("Louvor de Mãe"), iniciado no século XVIII, é um grupo de 125 mulheres casadas que reza em português obrigatoriamente durante a Semana Santa, mas todos os sábados cerca de 80 elementos do grupo e outras pessoas que não fazem parte do mesmo deslocam-se à "Gereja Tuan Ma" ou Capela da Senhora Mãe para rezar o rosário na língua de Camões.
Mulheres e crianças de diferentes idades e até alguns homens rezam e cantam em português, por vezes intercalado com indonésio, com o auxílio de livros, onde o português aparece escrito na forma mais conveniente para os indonésios, substituindo, por exemplo, "nosso" por "noso".
Algumas pessoas vão acendendo velas durante a reza do terço, mas no final todos se deslocam junto aos santos da igreja para oferecer velas e para beijá-los, numa cultura onde os beijos como saudação apenas estão reservados aos familiares e amigos mais próximos.
O Mama Muji faz parte da confraria "Rainha do Rosário", que, segundo o seu presidente, o rei de Larantuca, D. Martinus Dias Vieira de Godinho, foi formada em 1642 e é provavelmente a mais antiga organização da Indonésia.
Aos sábados de manhã, depois da oração das mulheres, é tempo de os homens também o fazerem, igualmente na Capela da Senhora Mãe, embora o número de participantes seja menor, rondando as duas dezenas.
O rei de Larantuca, que apenas governa durante a Semana Santa dado que o papel do reino foi entregue ao governo indonésio, explica que "o Mama Muji e a confraria rezam sempre em Português por causa dos seus antecessores" e aprenderam a fazê-lo pela via oral e não através de livros.
D. Martinus Dias Vieira de Godinho acredita que será difícil envolver "as senhoras idosas" nas aulas de Português, "por causa da mentalidade", dado que "mudar os hábitos é difícil", mas mostra-se disponível para tentar e confiante de que "as gerações mais jovens" irão participar nas aulas.
Clara Kung tem 50 anos, aprendeu a rezar na língua portuguesa através da mãe e da avó, que "rezavam sempre em português", daí que hoje em dia todos os sábados se desloque à capela da Senhora Mãe, ao lado da sua casa, para "rezar pelas crianças e pela felicidade na vida".
Clara Kung mostra-se interessada em participar nas classes de português e frisa que, apesar de no início ter sido "difícil" aprender a rezar na língua portuguesa, com o tempo e com a ajuda de um livro, já consegue fazê-lo sem dificuldade.
Ainda que por agora não saiba o significado das palavras em português, Clara Kung consegue identificar o nome da oração e, logo, perceber o que está a pedir a Deus.
Há centenas de palavras em indonésio derivadas do português, como "bola", "boneka", "Keju", "sekolah", mas nas regiões de Flores Oriental e Sica os vestígios estão ainda mais presentes, não só nas orações, que também acontecem na regência de Sica, mas também nas palavras usadas no quotidiano, como por exemplo os dias da semana.
Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar à Indonésia, em 1512, na mira de especiarias e, embora não tenham colonizado o país, procederam a uma forte evangelização católica até 1859, ano em que assinaram um tratado com a Holanda.
Flores, Indonésia, 23 de fevereiro de 2014. ANDREIA NOGUEIRA/LUSA.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Mr. Tupperware e os tapoés

Uma das formas por que se transformam todas as línguas, inclusive a nossa, é a recepção de palavras de origem estrangeira; cada língua tem seus recursos próprios (fonológicos, morfológicos, sintáticos etc.), e os termos estrangeiros sempre se adaptam fonologicamente – mesmo que, às vezes, não na grafia – à língua que os recebe.

Quem reconhece, nas palavras chulipa e sinuca, os termos ingleses sleeper e snooker, respectivamente? A grafia futebol resulta de nossa pronúncia do inglês football; os nomes Josué e Jesus vieram ambos do hebraico Yehoshua (através da forma reduzida Yeshua, de que proveio a forma latina Iesu); Tiago, Diego, Diogo, Iago, Jaime e Jacó são (pasme-se!) formas originárias (por caminhos diversos) do mesmo nome hebraico Yaakov, e assim sucessivamente...

As formas tapoé, tapoer, tapaué e tapué nada mais são que são adaptações gráficas das pronúncias brasileiras correntes do nome Tupperware, empresa multinacional americana fabricante de plásticos, fundada por Earl Silas Tupper; mesmo quem conhece a grafia original do nome e escreve Tupperware não o pronuncia como em inglês, por influência da prosódia do português. A grafia adaptada sempre aparece e se consolida bem depois da adaptação fonética: quando se passou a escrever futebol, já fazia muito tempo que se pronunciava assim, bem diferente de football. É questão de tempo até que se fixe uma grafia vernácula dessa palavra (talvez a própria forma tapoé), sendo depois registrada em dicionários e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (ABL).

A parte a polêmica sobre a aceitação ou não de termos emprestados de outras línguas, o fato é que a adaptação de palavras importadas sempre ocorre e é, inicialmente, fonética (pois a palavra estrangeira nunca é pronunciada exatamente como é na língua de origem). Depois se cria uma forma vernácula (isto é, de acordo com a língua receptora) para representar a palavra estrangeira. Vejam o exemplo de abajur, que veio do francês abat-jour; nossa grafia atual é a representação da adaptação fonológico-fonética da palavra francesa à nossa língua. É o mesmo que ocorre com tapoé; se grafamos Taperuér ou coisa parecida, a grafia está obviamente errada em relação ao original inglês; mas, no caso que temos aqui, trata-se uma adaptação da pronúncia à nossa grafia, pois as pessoas ouvem a palavra mas nem sempre sabem que se trata de termo estrangeiro; pensam que é português (e não são obrigadas a pensar de outro modo) e escrevem o que ouvem – ou como acham que ouvem.

Escrever "caza" ou "Brasiu" é errar na grafia; mas em casos como o de Tupperware/tapoé, em que não há palavra portuguesa (a não ser que se chame de "potinho de plástico") para o objeto, como considerar errado ou inadequado?


King Camp Gillete estampado na embalagem
 do produto que o tornou célebre.
Para terminar, observemos que Tupperware é um dos nomes próprios ou de marcas de produtos que se tornaram designativos de objetos genéricos. Talvez os mais notórios exemplos sejam carrasco (do nome do verdugo português Belquior Nunes Carrasco, século XV); macadame (processo de pavimentação de estradas criado pelo engenheiro escocês John Loudon McAdam) e gilete (do nome do inventor da lâmina de barbear descartável, King Camp Gillete); tapoé, portanto, no português coloquial brasileiro é qualquer "pote plástico com tampa".

Exemplos como estes mostram a língua em plena atividade, dinâmica e saudável... apesar de opiniões em contrário.

Santarém, PA, 14/2/2014. Editado em 12/2/2016.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Rolam as pedras

Até época recente, os gramáticos reclamavam com frequência do uso exagerado, principalmente por parte da imprensa, do verbo “acontecer”; ensinavam eles que, a fim de evitar repetição, poderia este ser substituído por outros verbos como “ocorrer”, “suceder”, “verificar-se”; diziam ainda que se devia evitar a locução “ter lugar”, considerada galicismo (diz-se do termo ou locução de origem francesa).
Acho que agora os gramáticos não se ocupam mais disso, devem ter desistido, pois hoje em dia as coisas não mais “acontecem”, não “têm lugar”, não “ocorrem”, não “se sucedem”, não “se verificam”... as coisas apenas “rolam”.
Antigamente, rolavam apenas as pedras!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Inverno amazônico

Fonte: "A Cidade dos Telhados de Ouro" ("City of Golden Roofs", Carl Barks, 1957)

Quando cheguei a Santarém, Pará, em janeiro de 2009, fiz pergunta semelhante, com resposta idêntica: estávamos em pleno INVERNO amazônico!
Mas, "enquanto todos praguejavam contra o frio, eu fiz a cama na varanda"...
Bom, na verdade... eu dormia numa rede.

Santarém, Pará, 7/2/2014. Editado em 15/1/2016.

Mais Médicos em Santarém, PA

A cidade de Santarém, Pará, também recebeu médicos estrangeiros trazidos pelo programa federal "Mais Médicos".
Uma conhecida minha levou os filhos a consultas no posto de saúde de seu bairro, onde foram atendidos por médicos estrangeiros.
Segundo ela, os médicos estrangeiros são atenciosos, interessados na condição sanitária dos pacientes, seus diagnósticos têm sido precisos e atendem melhor que alguns "nacionais".
Trata-se da verificação de um fato, e contra fatos não há argumentos.

Era uma vez uma Helena...

Interessante artigo de Walmar Andrade no Made in Brazil discute o precioso tempo (mais de 250 horas de mesmice) que se perde com telenovelas. Aliás, em se tratando das telenovelas do Sr. Manoel Carlos (Maneco para os íntimos), quem viu uma, viu todas... helenicamente falando!
Não sei por que ainda não se candidatou a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Não faria feio lá.

100 mitos da linguagem | Revista Língua Portuguesa

A revista Língua Portuguesa elaborou uma boa lista de asnices que se repetem desde sempre sobre a linguagem, as línguas em geral e a língua portuguesa em particular.
Quando se precisa de opinião especializada sobre um tema, chama-se um especialista; por exemplo: historiadores, filósofos, sociólogos e antropólogos têm aparecido muito na mídia atualmente, tentando explicar, de vários ângulos, o porquê das muitas manifestações de rua no Brasil.
É curioso que, quando se se trata de linguagem, nunca se chama um linguista; chama-se, porém, um gramático (e alguns deles nem têm formação em Letras e Linguística, apenas leram gramáticas e acham que podem falar sobre a linguagem e as línguas).
O gramático está para o linguista assim como o consultor de etiqueta está para o sociólogo. Todos são importantes e necessários, mas "cada um no seu quadrado".

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O dia em que a música morreu

Há 55 anos, mais precisamente em 3 de fevereiro de 1959, a queda de um avião matava três jovens músicos que despontavam para o sucesso: The Big Bopper Richardson, Buddy Holly e Ritchie Valens, além do piloto, Roger Peterson. A perda mais sentida parece ter sido a de Ritchie Valens, um garoto de 17 anos que apenas começava sua vida artística.
A data ficou conhecida nos EUA como "o Dia em que a Música Morreu" (The Day the Music Died).
http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Day_the_Music_Died


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Desperta do teu sono: O que um brasileiro deve saber sobre a Galiza e o galego

Galiza, galego, português e Brasil
Confira o interessante artigo de José Manuel Barbosa no blogue Desperta do teu sono sobre essa antiga questão: português e galego são a mesma língua? são línguas irmãs? são colínguas? codialetos?
Creio que, deixando de lado algumas variações de grafia (o que – creio – seria fácil de eliminar, se fosse desejado), as diferenças são poucas e podemos dizer, sem sombra de dúvida, que falamos GALEGO, conhecido internacionalmente como PORTUGUÊS – ainda que não nos demos conta disso.