sábado, 12 de outubro de 2013

Depredar monumentos para quê?

Monumento às Bandeiras (1954) de Víctor Brecheret (1894-1955). Foto: Cecília Bastos (www.imagens.usp.br).

Em 3 de outubro de 2013, o Monumento às Bandeiras, localizado no Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, amanheceu "pintado com tinta vermelha e pichado após protesto de movimentos sociais e indígenas", conforme reportagem do site UOL. Protestava-se a favor da demarcação de terras indígenas. E contra a História...
Não se pode negar que no Brasil, desde 1500, muitíssimos crimes (principalmente quando vistos pela óptica dos dias atuais) foram cometidos contra os índios, os negros, as mulheres, os pobres e outras parcelas indefesas de nossa população. São fatos históricos sobejamente conhecidos. Aliás, a violência contra esses e outros grupos ainda persiste de várias formas.
Todos sabemos disto, mas... destruir monumentos ajuda a mudar essa situação?
Se formos, porém, considerar válido o ataque a monumentos, não vai ficar muita coisa fora da lista, incluindo-se as igrejas e monumentos religiosos, que podem (segundo essa visão) ser postos na mesma categoria de monumentos como o das Bandeiras.
Depois dos bandeirantes, quais os próximos passos?
  • Derrubar monumentos em honra de poetas clássicos (Olavo Bilac, Francisca Júlia, Camões, Cervantes), pois sua poesia é tida por muitos como "elitista" e afastada da cultura popular?
  • Pôr fogo nos originais da Lei Áurea ou da constituição de 1824?
  • Mudar o nome da Praça e do Teatro José de Alencar, em Fortaleza (CE), pois ele foi defensor da escravidão?
  • Proibir a obra de Paul Verlaine, já que ele, quando ficava bêbado, era violento contra a esposa e o filho: pôs fogo nos cabelos dela e jogou o filho bebê contra a parede, além de tentar matar a tiros seu amante, o também poeta Arthur Rimbaud?
  • Depredar estátuas de Borba Gato, do Duque de Caxias ou de Getúlio Vargas? Aliás, os que cultuam a memória de Vargas se esquecem (ou fingem esquecer-se) de que ele, entre 1930 e 1945, mandou muita gente para a prisão por motivos políticos, inclusive militantes "de esquerda" como Patrícia "Pagu" Galvão ou escritores não alinhados com o governo, como Graciliano Ramos (leiam-se as Memórias do Cárcere deste último). Aliás, as Memórias dão a impressão, em certos trechos, de que Graciliano era homofóbico; mas narrador é uma coisa, autor é outra. É, deve ser isso!
Não sobrará pedra sobre pedra, livro sobre livro, imagem sobre imagem... É a mesma lição de J. Stalin e N. Ceaușescu, que mandavam apagar de fotos antigas as imagens dos desafetos... até que não sobrava ninguém nas fotografias!
Na verdade, os detratores desses monumentos querem reescrever a história, apagando traços do passado, por serem distintos dos de hoje e opostos a suas ideologias particulares ou coletivas, ainda que tenham razão em seus protestos. Mas as pessoas dessas épocas recuadas (ou não tão recuadas assim) eram diferentes, agiam e pensavam de modo diferente; não devemos imitá-las, mas não podemos apagá-las de nosso passado. O passado passa, mas não some.
Os bandeirantes não são modelo de comportamento para ninguém dos dias de hoje (tendo ou não sido, de fato, tudo isso que deles se diz; chutar cachorro morto é fácil...). Mas, se vivêssemos em sua época, quem de nós agiria de modo diferente do deles? Creio que poucos de nós, e não "ponho a mão no fogo" nem mesmo por mim...
Embora não se reconheça isso, monumentos como o das Bandeiras, a estátua de Borba Gato e outros são sentinelas da História, a nos lembrar daquilo que fizemos e não devemos repetir.
Lembremo-nos, pois.

Estátua do bandeirante Manuel de Borba Gato (1649-1718), obra de Júlio Guerra (1912-2001). Foto: https://www.spcuriosos.com.br.
Concluída em 1963, situa-se no cruzamento das avenidas Santo Amaro e Adolfo Pinheiro, na entrada do bairro de Santo Amaro, Zona Sul da capital paulista. Ao fundo à direita, outra parte do conjunto memorial, em que se faz alusão a fatos históricos da vila de Santo Amaro, incorporada ao município de São Paulo na década de 1930.

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