domingo, 20 de outubro de 2013

Testes com animais e capitalismo

A cadela Laika, primeiro ser terrestre a ir ao espaço, em 1957.
Fonte: http://www.howlofadog.org/laika-the-dog-a-sacrifice-to-science-on-a-one-way-mission-to-space/

"O justo olha pela vida de seus animais." – Provérbios, XII, 10.
Em 18 de outubro de 2013, muita gente aplaudiu a invasão do Instituto Royal, em São Roque, SP, e o resgate de cães usados em testes por aquela instituição. Não sei se os testes eram feitos dentro da lei ou não, se os manifestantes tinham ou não o direito de entrar em propriedade privada e subtrair de lá os cães... Isto é com a Justiça.
Assim como a maioria das pessoas, não sou a favor desses testes em animais, embora paire a incerteza quanto ao que fazer para substituir as cobaias: não testar nada? Testar apenas em humanos? Testar apenas em ratos, baratas e cobras? (Mas estes também não são animais? Ou são menos animais que os outros?)
Só não consigo entender o raciocínio das muitas pessoas que celebraram o fato como mais uma pancada no CAPITALISMO, como uma grande vitória do SOCIALISMO ou COMUNISMO ou ANARQUISMO etc.! Por quê? Testes com animais só são feitos no âmbito do capitalismo? Será que não há testes desse tipo na Coreia do Norte ou em Cuba? Não cabe aqui discutir qual é o melhor sistema político-econômico (capitalismo/liberalismo ou socialismo/comunismo).
Mas gostaria que alguém provasse, com documentos e elementos seguros, que as extintas União Soviética, Iugoslávia, Alemanha Oriental, Checoslováquia, além dos demais países da então chamada Cortina de Ferro ou outros que foram ou são socialistas (a China ainda é comunista, não?) jamais realizaram testes de qualquer tipo em animais. Se isso puder ser provado, então poderemos dizer que os testes com animais são próprios do capitalismo. Mas acho que não se conseguirá provar isso...
Para os que se esqueceram das aulas de história, um fato: Yuri Gagarin foi o primeiro HUMANO a ir ao espaço, mas não o primeiro SER TERRESTRE. O primeiro ser vivo da Terra a ir lá foi a cadela Laika, em 1957, a bordo do Sputnik II (o Sputnik I não foi tripulado), satélite lançado pelos soviéticos (sim, eles mesmos!). Laika não sobreviveu a mais que algumas horas de viagem; o satélite desintegrou-se ao cair na Terra, após vários meses em órbita do planeta.


Laika antes do lançamento do Sputnik II.
Fonte: http://www.cold-war-sputnik-soviet-space-dog-laika.com/SUMMARY.html
Depois dela foram ao espaço outros cães, esquilos, ratos, até que foi a vez dos chimpanzés. Só foram enviados os primeiros humanos ao espaço depois de se certificarem de que poderiam voltar vivos. O exemplo dos "vermelhos" foi seguido pelos norte-americanos, of course.

O primeiro grande prêmio da corrida espacial foi vencido por um animal, o que lhe custou a vida, como sói ocorrer a muitos pioneiros. Reflitamos sobre isso, e o sacrifício de Laika não terá sido em vão.

Santarém, PA, 20/10/2013. Editado em 8/7/2016.

domingo, 13 de outubro de 2013

Parábola gramático-budista


O velho mestre búdico-gramático ensinava a seus discípulos, ávidos por sabedoria ancestral linguageira, como encontrar o caminho que leva à perfeição glotológica. Dizia ele que tal senda parte do domínio das mais sutis ferramentas idiomáticas, das lexias mais raras e das morfossintaxes mais inusitadas.
Continuava ele, dizendo que essa perfeição é palpável e atingível, ainda que localizada num local indefinido no espaço-tempo. Nesse lugar mítico de contemplação, as letras crescem em abundância, enchendo os campos sem ser semeadas; árvores carregam-se de poemas que se declamam por si sós; chovem palavras; topa-se com poetas e filósofos a cada caminhada; e os livros, após uma noite de desfrute do prazer da primeira leitura, amanhecem como se novos fossem, de conteúdo ainda desconhecido, recém-saídos dos prelos e cheirando a tinta de impressão e couro de encadernação.
Um dos alunos, mais jovem e afoito que os demais, perguntou-lhe:
"Mestre, como encontrar o caminho para esse paraíso?"
O mestre respondeu, pousando o olhar sobre cada um dos alunos:
"Esforçai-vos pela mestria na difícil técnica da acentuação gráfica, e tereis dado o primeiro passo no caminho em direção ao Sagrado Nirvana do Diacrítico Bibliográfico!"
A partir de então, nenhum dos aprendizes se permitiu errar uma só crase...

sábado, 12 de outubro de 2013

Depredar monumentos para quê?

Monumento às Bandeiras (1954) de Víctor Brecheret (1894-1955). Foto: Cecília Bastos (www.imagens.usp.br).

Em 3 de outubro de 2013, o Monumento às Bandeiras, localizado no Parque do Ibirapuera, na cidade de São Paulo, amanheceu "pintado com tinta vermelha e pichado após protesto de movimentos sociais e indígenas", conforme reportagem do site UOL. Protestava-se a favor da demarcação de terras indígenas. E contra a História...
Não se pode negar que no Brasil, desde 1500, muitíssimos crimes (principalmente quando vistos pela óptica dos dias atuais) foram cometidos contra os índios, os negros, as mulheres, os pobres e outras parcelas indefesas de nossa população. São fatos históricos sobejamente conhecidos. Aliás, a violência contra esses e outros grupos ainda persiste de várias formas.
Todos sabemos disto, mas... destruir monumentos ajuda a mudar essa situação?
Se formos, porém, considerar válido o ataque a monumentos, não vai ficar muita coisa fora da lista, incluindo-se as igrejas e monumentos religiosos, que podem (segundo essa visão) ser postos na mesma categoria de monumentos como o das Bandeiras.
Depois dos bandeirantes, quais os próximos passos?
  • Derrubar monumentos em honra de poetas clássicos (Olavo Bilac, Francisca Júlia, Camões, Cervantes), pois sua poesia é tida por muitos como "elitista" e afastada da cultura popular?
  • Pôr fogo nos originais da Lei Áurea ou da constituição de 1824?
  • Mudar o nome da Praça e do Teatro José de Alencar, em Fortaleza (CE), pois ele foi defensor da escravidão?
  • Proibir a obra de Paul Verlaine, já que ele, quando ficava bêbado, era violento contra a esposa e o filho: pôs fogo nos cabelos dela e jogou o filho bebê contra a parede, além de tentar matar a tiros seu amante, o também poeta Arthur Rimbaud?
  • Depredar estátuas de Borba Gato, do Duque de Caxias ou de Getúlio Vargas? Aliás, os que cultuam a memória de Vargas se esquecem (ou fingem esquecer-se) de que ele, entre 1930 e 1945, mandou muita gente para a prisão por motivos políticos, inclusive militantes "de esquerda" como Patrícia "Pagu" Galvão ou escritores não alinhados com o governo, como Graciliano Ramos (leiam-se as Memórias do Cárcere deste último). Aliás, as Memórias dão a impressão, em certos trechos, de que Graciliano era homofóbico; mas narrador é uma coisa, autor é outra. É, deve ser isso!
Não sobrará pedra sobre pedra, livro sobre livro, imagem sobre imagem... É a mesma lição de J. Stalin e N. Ceaușescu, que mandavam apagar de fotos antigas as imagens dos desafetos... até que não sobrava ninguém nas fotografias!
Na verdade, os detratores desses monumentos querem reescrever a história, apagando traços do passado, por serem distintos dos de hoje e opostos a suas ideologias particulares ou coletivas, ainda que tenham razão em seus protestos. Mas as pessoas dessas épocas recuadas (ou não tão recuadas assim) eram diferentes, agiam e pensavam de modo diferente; não devemos imitá-las, mas não podemos apagá-las de nosso passado. O passado passa, mas não some.
Os bandeirantes não são modelo de comportamento para ninguém dos dias de hoje (tendo ou não sido, de fato, tudo isso que deles se diz; chutar cachorro morto é fácil...). Mas, se vivêssemos em sua época, quem de nós agiria de modo diferente do deles? Creio que poucos de nós, e não "ponho a mão no fogo" nem mesmo por mim...
Embora não se reconheça isso, monumentos como o das Bandeiras, a estátua de Borba Gato e outros são sentinelas da História, a nos lembrar daquilo que fizemos e não devemos repetir.
Lembremo-nos, pois.

Estátua do bandeirante Manuel de Borba Gato (1649-1718), obra de Júlio Guerra (1912-2001). Foto: https://www.spcuriosos.com.br.
Concluída em 1963, situa-se no cruzamento das avenidas Santo Amaro e Adolfo Pinheiro, na entrada do bairro de Santo Amaro, Zona Sul da capital paulista. Ao fundo à direita, outra parte do conjunto memorial, em que se faz alusão a fatos históricos da vila de Santo Amaro, incorporada ao município de São Paulo na década de 1930.