Com pequenas variações, um comentário que postei no blogue de Carlos Carrion, num artigo dele sobre dificuldades de tradução:
http://omniglotbrasil.wordpress.com/2012/12/27/mais-intraduziveis/.
A
facilidade e a dificuldade da tradução de textos dependem menos da estrutura
das línguas em questão e mais do contexto delas, expresso por seu vocabulário, que expressa a cultura e o ambiente em que os falantes estão imersos.
É
possível traduzir A República ou Os Lusíadas na língua xavante ou guarani? Pode
ser difícil, trabalhoso, mas não impossível, do ponto de vista da estrutura. O
que dificulta mais é o contexto, o conjunto de referências, que precisaria ser
criado na cultura dos falantes, transposto para ela, para depois ser expresso
em palavras.
Foi
o que os missionários jesuítas, por exemplo, fizeram no trabalho de catequese:
explicavam ou mostravam os conceitos cristãos e europeus na língua indígena (o
tupi, por exemplo), criando nela um conceito e jungindo-o a um termo novo (criado a partir de elementos da própria língua ou
importando-o do português) para poder ser ele veiculado por meio daquela língua.
Assim,
foi possível falar em “cavalo” (kabaru), “pecado” (tekoa'iba ou angaipaba = "mau procedimento"), “mandamento”
(Tupã rekomonhangaba = "aquilo que Tupã quer que se faça"), “cruz” (kurusu ou ybyrá-ioasaba = "paus cruzados"), “igreja” (Tupã roka = "casa de Tupã")
etc., conceitos que os tupis não conheciam.
Em
geral, o senso comum concebe a tradução como equivalência “palavra por
palavra”, como se os termos fossem etiquetas ou rótulos que pudessem ser facilmente trocados
por outros: manteiga = burro = butter = butero; se não é possível fazer isso,
já então se diz que a palavra não tem tradução em outras línguas. Infla-se o ego
linguístico nacional!
Já
dizia, e com toda a razão, São Jerônimo, padroeiro dos tradutores: "Deve-se
traduzir o sentido, não as palavras".
Santarém, Pará, 4/2/2013. Editado em 9/10/2015.
Santarém, Pará, 4/2/2013. Editado em 9/10/2015.
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