quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Um aspecto da II Guerra Mundial, por Mauro Mota

Nestes últimos dias, marcados pela folia carnavalesca, lembrei-me do poema abaixo, do poeta e jornalista pernambucano Mauro Mota (1911-1984), que foi membro da Academia Brasileira de Letras. Conheci este poema quando eu estava no curso de Letras e considero-o belíssimo, um dos mais belos poemas que se compuseram no Brasil no último século, e sempre o releio.
Longe de ser démodé, é, ao contrário disso, bastante atual; quantas moças não passam por isso todos os dias, e talvez de forma até mais violenta, nas muitas áreas de bases militares ou mesmo zonas de guerra atuais, do Mali ao Afeganistão, da Colômbia à Síria?
E mais: quem disse que o Brasil ficou livre dessa prática depois que os ianques partiram do Nordeste Brasileiro? O processo continua: não são apenas estadunidenses, eles vêm de todos os cantos; já não se trata de homens fardados, mas portando coloridas camisas de estilo havaiano ou caribenho, bermudas do tipo safári, sandálias de turista, óculos escuros da moda – pois nosso calor climático e humano pede tudo isso; nem são só homens, pois o turismo sexual já atrai também mulheres, sem falar no público homossexual.
E nesta época de Carnaval dá-se a explosão dessa prática de exploração, pelo sex appeal de nosso povo, combinado com as praias, o sol eterno, o calor, a descontração, a convivência informal...
Fica a leitura para nossa reflexão.

Mauro Ramos da Mota e Albuquerque (1911-1984)

Boletim sentimental da guerra no Recife
Mauro Mota

Meninas, tristes meninas,
de mão em mão hoje andais.
Sois autênticas heroínas
da guerra, sem ter rivais.
Lutastes na frente interna
com bravura e destemor.
À vitória aliada destes
o sangue do vosso amor.
Por recônditas feridas,
não ganhastes as medalhas,
terminadas as batalhas
de glórias incompreendidas.
Éreis tão boas pequenas.
Éreis pequenas tão boas!
De várias nuanças morenas,
ó filhas de Pernambuco,
da Paraíba e Alagoas.

Tínheis de quinze a vinte anos,
tipos de colegiais,
diante dos americanos,
dos garbosos oficiais,
do segundo time vasto
dos fuzileiros navais
prontos a entregar a vida
para conseguir a paz,
varrer da face do mundo
regimes ditatoriais
e democratizar todas
as terras continentais
a começar pelo sexo
das meninas nacionais.

Iniciou-se então a fase
de convocação e treino
todos os dias na Base.
Ah! com que pressa aprendíeis,
só pela conversa quase!
Dentro de menos de um mês
sabíeis falar inglês.

E os presentes? Os presentes
eram vossa tentação.
Coisas que causavam aqui
inveja e admiração:
bolsas plásticas, a blusa
de alvas rendas do Havaí,
bicicletas "made in USA",
verdes óculos "Ray Ban".
Era um presente de noite
e outro dado de manhã,
verdadeiras maravilhas
da indústria de Tio Sam.

E as promessas? As promessas
eram vossa sedução,
acreditáveis que elas
não eram mentira, não.
Um "Frazer" no aniversário,
passeios de "Constellation",
num pulo alcançar Miami,
almoçar na Casa Branca,
descer a Quinta Avenida,
fazer "piquet" pela Broadway
ver a "première" no Cine
junto dos artistas, com
eles todos na platéia.
Ouvir na "Opera House",
numa noite Toscanini,
na outra noite Lili Pons.

Com tanto "it" e juventude
podíeis testes ganhar,
ser estrelas de Hollywood,
ciúmes de Hedy Lamarr.

Ah! bom tempo em que corríeis,
"pés descalços, braços nus,
atrás das asas ligeiras
das borboletas azuis".
Ó prematuras mulheres,
fostes, na velocidade
dos "jeeps", às "garconières"
da Praia da Piedade.

Quase que se rebentavam
vossos úteros infantis
quando veio o telegrama
da tomada de Paris.

Ingênuas meninas grávidas,
o que é que fostes fazer?
Apertai bem os vestidos
pra família não saber.
Que os indiscretos vizinhos
vos percam também de vista.
Saístes do pediatra
para o ginecologista.

"Babies" saxonizados,
que só mamam vitaminas,
são vossos "babies", meninas,
em vários cantos gerados,
mas "mapples" dos automóveis,
no interior das cantinas,
da praia na branca areia,
em noites sem lua cheia.

Meninas, tristes meninas,
vossos dramas recordai,
quando eles no armistício,
vos disseram "Good bye".
Ouvireis a vida toda
a ressonância do choro
dos vossos filhos sem pai.

Este texto foi produzido e postado por meio de softwares livres: sistema operacional Linux Mint 13 Maya LTS; processador de texto LibreOffice 3.5.3.2; navegador de Internet Mozilla Firefox 13.0.1.
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