Nestes últimos dias,
marcados pela folia carnavalesca, lembrei-me do poema abaixo, do poeta e
jornalista pernambucano Mauro Mota (1911-1984), que foi membro da Academia Brasileira de Letras. Conheci este poema quando eu
estava no curso de Letras e considero-o belíssimo, um dos mais belos poemas que se compuseram no Brasil no último século, e sempre o releio.
Longe de ser démodé, é, ao contrário disso, bastante
atual; quantas moças não passam por isso todos os dias, e talvez de forma até
mais violenta, nas muitas áreas de bases militares ou mesmo zonas de guerra atuais, do Mali ao Afeganistão, da Colômbia
à Síria?
E
mais: quem disse que o Brasil ficou livre dessa prática depois que os ianques
partiram do Nordeste Brasileiro? O processo continua: não são apenas estadunidenses,
eles vêm de todos os cantos; já não se trata de homens fardados, mas portando
coloridas camisas de estilo havaiano ou caribenho, bermudas do tipo safári,
sandálias de turista, óculos escuros da moda – pois nosso calor climático e humano
pede tudo isso; nem são só homens, pois o turismo sexual já atrai também
mulheres, sem falar no público homossexual.
E nesta época de Carnaval dá-se a explosão dessa prática de exploração, pelo sex appeal de nosso povo, combinado com as praias, o sol eterno, o calor, a descontração, a convivência informal...
Fica a leitura para nossa reflexão.
Fica a leitura para nossa reflexão.
Mauro
Mota
Meninas,
tristes meninas,
de
mão em mão hoje andais.
Sois
autênticas heroínas
da
guerra, sem ter rivais.
Lutastes
na frente interna
com
bravura e destemor.
À
vitória aliada destes
o
sangue do vosso amor.
Por
recônditas feridas,
não
ganhastes as medalhas,
terminadas
as batalhas
de
glórias incompreendidas.
Éreis
tão boas pequenas.
Éreis
pequenas tão boas!
De
várias nuanças morenas,
ó
filhas de Pernambuco,
da
Paraíba e Alagoas.
Tínheis
de quinze a vinte anos,
tipos
de colegiais,
diante
dos americanos,
dos
garbosos oficiais,
do
segundo time vasto
dos
fuzileiros navais
prontos
a entregar a vida
para
conseguir a paz,
varrer
da face do mundo
regimes
ditatoriais
e
democratizar todas
as
terras continentais
a
começar pelo sexo
das
meninas nacionais.
Iniciou-se
então a fase
de
convocação e treino
todos
os dias na Base.
Ah!
com que pressa aprendíeis,
só
pela conversa quase!
Dentro
de menos de um mês
sabíeis
falar inglês.
E
os presentes? Os presentes
eram
vossa tentação.
Coisas
que causavam aqui
inveja
e admiração:
bolsas
plásticas, a blusa
de
alvas rendas do Havaí,
bicicletas
"made in USA",
verdes
óculos "Ray Ban".
Era
um presente de noite
e
outro dado de manhã,
verdadeiras
maravilhas
da
indústria de Tio Sam.
E
as promessas? As promessas
eram
vossa sedução,
acreditáveis
que elas
não
eram mentira, não.
Um
"Frazer" no aniversário,
passeios
de "Constellation",
num
pulo alcançar Miami,
almoçar
na Casa Branca,
descer
a Quinta Avenida,
fazer
"piquet" pela Broadway
ver
a "première" no Cine
junto
dos artistas, com
eles
todos na platéia.
Ouvir
na "Opera House",
numa
noite Toscanini,
na
outra noite Lili Pons.
Com
tanto "it" e juventude
podíeis
testes ganhar,
ser
estrelas de Hollywood,
ciúmes
de Hedy Lamarr.
Ah!
bom tempo em que corríeis,
"pés
descalços, braços nus,
atrás
das asas ligeiras
das
borboletas azuis".
Ó
prematuras mulheres,
fostes,
na velocidade
dos
"jeeps", às "garconières"
da
Praia da Piedade.
Quase
que se rebentavam
vossos
úteros infantis
quando
veio o telegrama
da
tomada de Paris.
Ingênuas
meninas grávidas,
o
que é que fostes fazer?
Apertai
bem os vestidos
pra
família não saber.
Que
os indiscretos vizinhos
vos
percam também de vista.
Saístes
do pediatra
para
o ginecologista.
"Babies"
saxonizados,
que
só mamam vitaminas,
são
vossos "babies", meninas,
em
vários cantos gerados,
mas
"mapples" dos automóveis,
no
interior das cantinas,
da
praia na branca areia,
em
noites sem lua cheia.
Meninas,
tristes meninas,
vossos
dramas recordai,
quando
eles no armistício,
vos
disseram "Good bye".
Ouvireis
a vida toda
a
ressonância do choro
dos
vossos filhos sem pai.
Este texto foi produzido e postado por meio de softwares livres: sistema operacional Linux Mint 13 Maya LTS; processador de texto LibreOffice 3.5.3.2; navegador de Internet Mozilla Firefox 13.0.1.
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