"Promessa fica na promessa
É hora de despertar
Chega de demagogia
Pra que tanta ironia?
O povo está cansado de esperar!"
Não sou apreciador do carnaval. Não curto desfiles de escolas de samba, nem frequento bailes de carnaval, festas de rua ou coisa parecida; também não costumo assistir aos desfiles transmitidos pela televisão. Mas isto não significa que eu seja contra o carnaval: respeito o gosto alheio.
Porém... desde 1988 tenho memorizada a letra de um samba-enredo. Parece contraditório e inexplicável, mas é verdade. De fato, é contraditório; quanto à explicação, ei-la:
Naquele
ano, o Grêmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Flor de Vila Dalila, que
havia subido para o grupo de elite do carnaval paulistano no ano anterior, apresentou
o samba-enredo “Nova República, me engana que eu gosto”, de autoria de Carlinhos
de Pilares e Roberto Laranja. Era um samba de letra ousada, atrevida, que tocava fundo em
problemas que o Brasil atravessava na época, quando vivíamos o período conhecido
como Nova República e José Sarney era o presidente; já se conheciam o
escândalo da ferrovia Norte-Sul, o dos marajás do serviço público, e naquele mesmo ano nova Constituição Federal seria apresentada à
Nação. A letra criticava ainda o descaso com os aposentados e as crianças
abandonadas, a fúria do Leão (o imposto de renda), a fome, a falta de
empregos...
Trata-se de um samba-enredo
que destoa dos comumente apresentados pelas escolas de samba, nos quais se fala
de belezas naturais, homenageiam-se ícones da cultura popular, visitam-se
cidades ou países distantes ou se contam fatos históricos ou mitos.
Esse samba da Flor de Vila Dalila fez sucesso, foi muito executado no rádio, e as
pessoas o cantavam, motivo pelo qual eu o ouvia sempre e memorizei; aliás, até
hoje gosto dele. O mais curioso, porém, é que essa escola de samba, apesar da
popularidade de seu samba-enredo, ficou em último lugar no Grupo Especial,
sendo rebaixada, e nunca mais conseguiu retornar ao grupo de elite.
Os
adeptos de teorias conspiratórias talvez vejam aqui algo mais do que uma triste
coincidência... Será que a escola cutucou onça com vara curta e entrou
pelo cano? Não sei, não...
Já eu, apesar de não ser folião, nunca me esqueci do samba de 1988 da Flor de Vila Dalila, e todo
ano, no carnaval, lembro-me dele: “Promessa fica na promessa, é hora de
despertar...”
Reproduzo
abaixo a letra completa do samba-enredo, para recordação dos que o ouviram e resgate de parte de nosso passado.
Grêmio
Recreativo, Cultural e Escola de Samba Flor de Vila Dalila
Samba-enredo
de 1988 – Carnaval Paulistano
Título: NOVA REPÚBLICA, ME ENGANA QUE EU GOSTO
Autores:
Carlinhos de Pilares e Roberto Laranja
Puxadores:
Nílton da Flor e Carlinhos de Pilares
Promessa fica na promessa
É hora de despertar
Chega de demagogia
Pra que tanta ironia?
O povo está cansado de
esperar!
Pra que cultura,
Se não há emprego?
A fome do País não é segredo
Fabricaram o trem, parou a
ferrovia
Falta de verba que o Plenário
discutia
Me engana que eu gosto
Reforma agrária, cadê?
O índio está cansado de
sofrer
O Leão virou hiena,
preocupado com a Nação
Marajá de bolso largo
Nem abala o coração
E o aposentado que merece
mais respeito
E o menor abandonado
Sofre com o preconceito
Me arrepia essa tal
democracia
Acorda, meu Brasil!
Pesquisando para ajustar algumas informações deste artiguinho, descobri que no mesmo ano de 1988 o GRES Imperatriz Leopoldinense apresentou, no Carnaval do Rio de Janeiro, um samba-enredo com tema parecido, cuja letra reproduzo abaixo.
E não é que a Imperatriz Leopoldinense terminou aquela competição também em ÚLTIMO LUGAR?
É muita coincidência! Seria conspiração?
A sorte da Imperatriz Leopoldinense foi que, naquele ano, decidiu-se que nenhuma escola seria rebaixada, portanto ela continuou no Grupo Especial, sendo campeã no ano seguinte.
"Pegaram leve" com o Carnaval do Rio...
Grêmio Recreativo Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense
Samba-enredo de 1988 – Carnaval Carioca
Título: CONTA OUTRA, QUE ESSA FOI BOA
Samba-enredo de 1988 – Carnaval Carioca
Título: CONTA OUTRA, QUE ESSA FOI BOA
Eu voto pra não esquecer
A vida tem que melhorar
O povo na constituinte
Vai ter mesa farta, sorrir e até cantar
Quá, quá, quá!
Você caiu, caiu!
É brincadeira
É primeiro de abril (bis)
Eu quero é poder ser marajá
Gozar a vida
Pra vida não vir me gozar (bis)
Disse-me-disse
Na história do Brasil
Fui criança, fui palhaço
E ninguém me assumiu (ô, seu Cabral...)
Cabral, ô, Cabral,
O esquema é de lograr (de lograr)
De 71 com a realeza,
Me mandou uma princesa que fingiu me libertar, me libertar (bis)
Ô ô ô piuí
Piuí, lá vem o trem
A ferrovia é brincadeira de neném (bis)