terça-feira, 18 de setembro de 2012

Michael S. Hart, um visionário

Oh! Bendito o que semeia 
Livros... livros à mão cheia... 
E manda o povo pensar! 
O livro caindo n'alma 
É germe — que faz a palma, 
É chuva — que faz o mar.

Castro Alves, O Livro e a América

No dia 4 de julho de 1971, o americano Michael Stern Hart recebeu um presente inusitado: uma cópia impressa de distribuição gratuita da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Aquilo lhe deu uma ideia: digitar o texto no computador (um Sigma V da Xerox, com a espantosa memória de 16K!) que ele usava num laboratório na Universidade de Illinois e distribuí-lo através da rede interna de computadores da universidade, e daí para as demais universidades e bibliotecas conectadas à Internet – que já existia havia alguns anos, mas era muito diferente e bem menos abrangente do que é hoje; o filme War Games (“Jogos de Guerra”, 1983) dá-nos uma ideia do que era a Internet comercial e doméstica por volta de 30 anos atrás.
Michael Stern Hart (1947-2011)

Estava então criado o livro eletrônico, ou e-book. E os que receberam pela rede o arquivo da Declaration of Independence fizeram a primeira descarga (ou download, como queiram) conhecida de um livro eletrônico! Tornava-se realidade o que até ali era apenas um elemento de ficção científica, como visto, por exemplo, nos episódios de Jornada nas Estrelas.
Depois daquele título pioneiro, vieram outros: a Bíblia, Aventuras de Alice no País das Maravilhas, obras de Shakespeare, Homero, Melville... Nascia assim a biblioteca digital livre Project Gutenberg, a primeira e mais conhecida iniciativa de produção e distribuição de livros eletrônicos, baseada em arquivos de texto (.TXT), leves e de fácil armazenamento e transmissão, podendo depois ser postos em outros formatos, como o PDF. O Projeto Gutenberg apostava na Internet – à época, recém-criada e em lenta expansão – para a difusão gratuita da literatura. A aposta, como vimos, mostrou-se vencedora.
Por cerca de 25 anos, Hart trabalhou sozinho, digitalizando em média 1 livro por mês, até que a explosão da informática e da Internet e o surgimento da World Wide Web, trazendo maior facilidade de contato e distribuição dos arquivos eletrônicos, possibilitaram a chegada de voluntários de diversas partes do mundo, multiplicando muitas vezes o número de títulos e línguas do catálogo. Hoje o Projeto Gutenberg possui quase 50.000 títulos em mais de 60 línguas.
O catálogo possui textos em domínio público e outros publicados com autorização dos autores. A maior parte do acervo é constituída de títulos em inglês (cerca de 34.000 títulos); a língua portuguesa está representada com 539 obras, dentre as quais Os Lusíadas, de Camões, Como e por que sou Romancista, de José de Alencar, inúmeras obras de Camilo Castelo Branco, João de Deus, Júlio Dinis, Alexandre Herculano, Guerra Junqueiro, além de muitas raridades, como o hilário Álbum Chulo-Gaiato, as Trovas do Bandarra e textos de autores pouco conhecidos na atualidade, como o paraense João Marques de Carvalho (1866-1910), do qual estão disponíveis Contos do Norte, Contos Paraenses e Entre as Ninfeias.
O português é a sétima língua do catálogo em número de títulos, superada, além do inglês, pelo francês (2.593), alemão (1.306), finlandês (1.143), holandês (710) e italiano (639), e à frente, entre outras línguas, do espanhol (464) e chinês (410). O latim está presente com 95 títulos; o esperanto, língua internacional planejada lançada em 1887 por L. L. Zamenhof, está presente no catálogo com 104 obras.
Hoje completam-se 4 anos da morte de Michael S. Hart, que tinha 64 anos e vinha trabalhando havia 4 décadas na digitalização e divulgação de livros. Seu falecimento, ocorrido em 6 de setembro de 2011, foi noticiado em vários meios de comunicação, inclusive no Brasil, e muito lamentado. Teotônio Simões, no sítio www.ebooksbrasil.orgfoi sucinto e direto ao noticiar a morte de Hart, chamando-o “um ser humano exemplar”. Creio que Michael Hart tenha partido com a sensação de dever cumprido. Sua iniciativa rendeu ótimos frutos e tornou mais fácil o acesso a textos aos quais, de outro modo, as pessoas ficariam alheias.
A Internet é uma das maiores criações da humanidade em todos os tempos, e talvez a principal das últimas décadas, possibilitada que foi pelas descobertas dos últimos séculos, desde que o domínio da eletricidade permitiu a criação e operação de máquinas capazes de transmissão de dados por cabos, e depois sem eles.
Mas ela é também – pelo menos no momento – um dos pontos de culminância de um longo processo que se iniciou há muito tempo, quando aqueles nossos primeiros ancestrais, peludos, sujos e fedorentos, de baixíssima expectativa de vida, perderam o medo do exterior e resolveram sair da caverna para ver o que havia fora dela; desde que perderam o medo do fogo e resolveram acendê-lo por conta própria, sem esperar que algum raio fizesse arder uma árvore ou que alguma divindade o trouxesse; desde que observaram os ciclos da natureza e viram que podiam plantar seu próprio alimento, sem precisar sair em busca dele, e criaram as cidades; desde que olharam para o céu noturno e, sem o saber, criaram a astronomia – que nos permitiria compreender a mecânica celeste e de todas as coisas – e sua irmã de maior apelo popular, a astrologia – que surpreendentemente ainda sobrevive, feliz e ditosa, contrariando o vaticínio de homens de ciência de diversas épocas.
A Internet trouxe ainda consigo, além da possibilidade de comunicação praticamente imediata, alguma liberdade de escolha para a difusão da cultura. Enquanto os grandes grupos e lobbies editoriais e culturais ditam o que devemos ler e ouvir, anônimos abnegados dedicam seu tempo a resgatar, do poço do esquecimento, obras escritas e audiovisuais às quais, de outra forma, jamais poderíamos ter acesso. Poetas e filósofos, cronistas e cientistas, musicistas e cantores, como novas fênix, renascem das cinzas da história, reavendo o único e verdadeiramente sagrado direito que todo autor tem: o de ter sua obra disponível às pessoas para ser lida, vista, ouvida.
A civilização mundial que se começa lentamente a construir requer liberdade de pensamento e de difusão do pensamento, e os primeiros passos em busca dessa civilização foram dados por pessoas como Michael Stern Hart, as quais enxergaram muito além de seu tempo.
Miremo-nos em seu exemplo.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Espírito de porco, Diabo e Cia.

I. Perguntou-me certa vez um aluno sobre a origem da locução espírito de porco, e o porquê de ser empregada com sentido negativo, com referência a maus procedimentos ou ao Diabo. A questão também me interessou, e resolvi pesquisar para obter alguma explicação. Seguem abaixo os dados que consegui, os quais permitiram chegar a algumas conclusões (1).

II. A única referência direta que encontrei quanto à locução espírito de porco é a de Antenor Nascentes no Tesouro da Fraseologia Brasileira (2). Na página 117, sob o verbete “Espírito”, diz o seguinte o estudioso patrício:

ESPÍRITO — das trevas. O demônio. — de contradição. Pessoa que se compraz em levantar objeções. — de porco. Aquele que, nas sessões espíritas, aparece para se divertir à custa dos crentes. Pessoa de má índole, sempre disposta a dizer ou fazer coisas que desagradem. V. S. Mateus, VIII, 30-2; S. Marcos, V, 11-3; S. Lucas, VIII, 32-3. — de sedução. O demônio. (...) — forte. Pessoa que, sobretudo em matéria de religião, se compraz em atacar as opiniões da maioria, em pôr-se acima das idéias comumente admitidas. — maluco. O demônio. (...) Levantar os —s. Excitar os ânimos. (...) Ser um — de porco. Pessoa sempre disposta a dizer ou a fazer coisa que contrarie. (...) (Ortografia atualizada ­­— grifos meus.)

Como se verifica no trecho acima citado, a palavra espírito, quando acompanhada de epítetos como maligno, maluco, de porco e outros, é associada ao Diabo. Tais locuções foram difundidas no Ocidente pela cultura e fé cristã, por meio de alusões e referências às Escrituras Sagradas. Com efeito, há na Bíblia muitas passagens que contam casos de expulsão de espíritos malignos ou demônios do corpo de pessoas.

III. No verbete “Espritado” das Locuções Tradicionais no Brasil (3), diz Câmara Cascudo, citando o dicionário de Antônio de Morais Silva, que “todo brasileiro conhece e aplica o vocábulo Espritado, espritou-se, valendo pessoa inquieta, que parece ter o espírito malino, f. travesso, mui inquieto”. De fato, espritar ou espiritar é “endemoninhar; tornar endiabrado, travesso, inquieto; irritar, danar” (Cândido de Figueiredo, Novo Dicionário da Língua Portuguesa).

Na esteira do que diz Câmara Cascudo, encontrei também que espritar-se é “encolerizar-se, enfurecer-se, exceder-se”, segundo o Caldas Aulete Digital; diz este mesmo dicionário eletrônico que espiritar-se é “1 Meter o demônio no corpo; ficar endemoniado; 2 Fig. Tornar agitado endiabrado, inquieto; 3 P.us. Transformar(-se) em espírito; 4 Fig. Provocar estímulo, excitação; 5 Provocar estado de transe”.

Acrescenta o folclorista potiguar: “Estar espritado era estar possesso. Em fevereiro de 1581, em Roma, Montaigne assistiu a cerimônia de exorcismos, aplicados por um sacerdote embésongné à guérir un spiritato”. Ainda de acordo com Cascudo, para nós é espritado o irriquieto, buliçoso, turbulento; está espritado o animal que arranca subitamente, disparando sem motivo; está espritado o cão hidrófobo, sendo esse nome aplicado, ainda, a moléstias mentais.

Com tudo isso, não é a toa que, nos meios populares, a suposta possessão pelo Diabo ou por um seu espírito maligno ainda hoje se tenha como a causa de muitas taras e desvios de conduta que a ciência antiga não podia explicar. É também a justificativa de muitos crimes hediondos, passionais ou não. Os programas sensacionalistas de televisão mostram sempre casos de crimes cujos autores alegam de nada se lembrar por estarem possessos ou se terem tornado “cavalos do Cão”, ou seja, endemoniados, fazendo-se alusão ao termo cavalo no sentido de “médium”, com o Diabo incorporado nele.


O Diabo retratado no Codex Gigas (século XIII),
também conhecido como Bíblia do Diabo.
IV. O nome diabo é originário do termo latino diabolus, por sua vez originário do grego diábolos, com o sentido de “aquele que divide ou separa, que se interpõe”; numa tradução livre, de acordo com as concepções cristãs e de outras religiões, é aquele que se põe no caminho reto do homem, desviando-o. Seus sinônimos mais comuns são Satanás, Satã, Demônio, Lúcifer, Belzebu (usa-se inicial maiúscula quando se faz referência ao Diabo como chefe do Inferno e dos anjos caídos ou diabos; quando em sentido comum, a inicial é minúscula).

O vocábulo diabo sofreu transformações fonéticas típicas das palavras herdadas, a saber, as que passaram de uma geração a outra, durante séculos: desapareceu a consoante /l/ intervocálica e ocorreu a posterior crase das duas vogais finais: diabolus > diabolo > diaboo > diabo. Note-se que o espanhol, o francês e o italiano mantiveram o /l/: diablo, diable, diavolo, o mesmo ocorrendo em inglês: devil. Aquele fenômeno fonético, ocorrido também com outras consoantes sonoras, é comum na história da língua portuguesa e a distingue de outras línguas românicas. Outros exemplos:

pala > paa > pá; tabula > tábua; pila > pia; populus > pobolo > povoo > povo
lana > lãã > lã; luna > lua; matiana > maciã > maçã
nudus > nuu > nu; pedes > pee > pé

O fenômeno deu-se com os termos populares; as palavras eruditas, porquanto introduzidas na língua bem tardiamente, trazidas diretamente do latim clássico, conservam-se bem próximas deste, formando-se pares contrastantes: pá, paleta; tábua, tabular; lã, lanífero, lanígero, lanifício; lua, lunar, alunissar; nu, nudez; pé, pedal, pedioso...

De diabo há duas outras variantes populares, também originárias de diabolus, por meio de outros processos fonéticos: dianho e diacho. Compare-se diacho com mancha (< macula) e chave (< clavis).


O Martírio de Eleazar (Gustave Doré, 1866).
V. Mas onde entra, nisto tudo, a figura do porco, e que papel lhe cabe? Também para isto devemos buscar explicações na Bíblia e tradição judaico-cristã.

De fato, já para os hebreus antigos o porco era animal impuro, de cuja carne o consumo era proibido pela lei de Moisés. O porquê disso confesso que não sei; é coisa para os especialistas em assuntos judaicos. Mas lembro-me de ter lido no Talmud, edição de José Pérez (4), a explicação de que “a carne de porco é proibida porque é gostosa demais e leva o homem à gula” (cito de memória).

A resistência ao consumo da carne de animal tido como tão impuro e proibido trouxe, em certos momentos, perseguição aos judeus. Foi o que ocorreu nos últimos séculos antes da Era Cristã, quando a Judeia esteve sob o domínio de reis gregos ou helenizados. No contexto dessas perseguições, cita-se o episódio da execução de Eleazar, doutor da lei, em Jerusalém, contado no II Livro dos Macabeus, VI: por se recusar a comer carne de porco, foi torturado até a morte (ver as traduções católicas da Bíblia). No mesmo livro, no capítulo VII, conta-se o martírio de sete irmãos judeus com sua mãe: o rei sírio Antíoco IV Epífanes (ou Epifânio), que dominava a Palestina no século II a. C. e tentou helenizar o território, queria, entre outras coisas, fazê-los também comer carne de porco; por não acatarem a ordem do rei, foram todos mortos com as mais terríveis torturas, morrendo por último a mãe, após assistir ao suplício dos filhos um a um (5).
O Martírio dos Sete Irmãos e sua Mãe
(Julius Schnorr von Carolsfeld, 1826).

Em artigo publicado em 2004, Alzira Simões (6) estuda o porco sob diversos aspectos sociais, culturais, econômicos, e enumera diversas conotações positivas e negativas do porco. Dentre os epítetos negativos, diz ela que o porco “é praticamente sinónimo de dorminhoco, teimoso, egoísta, invejoso, manhoso, rabão, voraz, diabólico, indolente, imundo, sujo, enfim, porco!” (p. 50-51).

Continua a autora:

O porco é também, contraditoriamente, na nossa cultura como noutras, identificado com a gula, a voracidade, a sujidade, a imundície, simbolizando, igualmente, a obscenidade, a ignorância, a luxúria e o egoísmo, sendo, como referimos, considerado um animal impuro em várias religiões, e, por consequência, o consumo da sua carne é proibido ou restringido em várias culturas (islâmica, judaica...).

Objecto de repulsa, passa pela identificação com o homem em certos provérbios (onde, além dos supra-enunciados com eventual carga negativa, encontramos ainda muitos outros como: "dar pérolas a porcos", "quem se mistura com os porcos come lavagem", "judeu e porco, algarvio e mouro - são quatro nações e oito canalhas", "nem moinho por contínuo, nem porco por vizinho", etc., etc.) e pela antropomorfização caricatológica em que o ser humano assume formas porcinas, é com o porco identificado, na maioria das vezes, de um modo pejorativo e mordaz.

Encontra-se, além disto, na língua portuguesa inúmeras designações e expressões antropónimas, metafóricas, com valência sócio-culturais desfavoráveis. Para tal servem de exemplo os termos e ditos: "porcaria", "porcalhona", "marrão", "marranço", "gordo como um porco", "só se lava quem é porco", "teimoso como um porco", "dormir como um porco", "sangrar como um porco", etc., etc. (p. 51).

O trecho acima faz lembrar A Revolução dos Bichos, de George Orwell, que Alzira Simões também cita (p. 54-55). Nesta obra, os animais do sítio expulsam seu opressor, o homem, e decidem cuidar de seu próprio destino, vivendo em comunidade; mas pouco a pouco outro dominador surge de entre os próprios animais: o porco.  Os porcos acabam por aliar-se a seus antigos senhores, e quando todos se sentam em torno de uma mesa para selar o acordo, quem os vê de fora não consegue distinguir quem é homem e quem é porco...

VI. Mais do que ser reputado o porco um animal impuro, o espírito de porco é também sempre relacionado ao Demônio, por meio da ideia de possessão. Ora, é exatamente isso que se encontra nos versículos bíblicos aludidos por Nascentes em sua obra citada acima, os quais narram um conhecidíssimo episódio da pregação de Jesus Cristo na Palestina. Passava Ele por Gerasa, local próximo da Galileia, quando encontrou um homem (ou dois, segundo S. Mateus) possesso por uma legião de demônios; estes, temendo que Jesus os enviasse para o abismo, pediram-Lhe que os mandasse para cima de uma vara de porcos que ali perto pastavam. Feito isso, os porcos, com os demônios em si, precipitaram-se no mar por um despenhadeiro e afogaram-se. (Conferir a Bíblia das Edições Paulinas, tradução de Matos Soares.)

Parece que, da narrativa sobre a legião de demônios que Jesus Cristo expulsou, deriva também a locução diabo a quatro, com o sentido de “grande tumulto, desordem, alarido e confusão”. João Ribeiro, nas Frases Feitas, p. 313 (7), cita a explicação do padre Tuet, segundo o qual nos antigos autos e mistérios medievais “apareciam sempre quatro personagens vestidas de diabos e que faziam horrível barulho com o intuito de atemorizar os espectadores, instruindo-os das penas infernais”. Entre nós, foi continuador dessa tradição o padre José de Anchieta, que em seu auto Na Aldeia de Guaraparim, composto em língua tupi, põe em cena quatro diabos a queixar-se da ação dos jesuítas; já no Auto de São Lourenço, também em tupi, ele não arrola quatro, mas sete diabos, sendo três os principais e quatro os subalternos. Não bastasse o próprio Diabo, vinha ele ainda acompanhado de seu séquito!

VII. Voltando ao porco: na mesma obra citada trata João Ribeiro do curioso dito popular “Cada porco tem seu São Martinho”, que ele diz confirmar a relação do porco com o Diabo e as más ações e procedimentos. De acordo com João Ribeiro, o sentido desta última locução é o de que

São Martinho os [porcos] fará melhores, e lá virá um dia que não sejam porcos. Porque, na lenda medieval de São Martinho, este santo sarava os doentes ainda contra a vontade deles. O que fazia com que os falsos mendigos com suas ricas chagas fugissem a todas as gâmbias do santo, por não perderem o emprego (p. 166, ortografia atualizada).

São Martinho de Tours a cavalo
(Mosteiro de Tibães, Portugal).
Houve vários santos com o nome Martinho, mas parece que a lenda citada por João Ribeiro se refere a São Martinho de Tours, nascido na Panônia, atual Hungria (assim como São Martinho de Braga), que viveu no século IV, foi bispo de Tours e está sepultado nessa cidade francesa.

Segundo a tradição, Martinho era soldado romano e encontrou, num dia frio, um mendigo desagasalhado; tocado por aquela situação de penúria, cortou metade de seu manto e deu-o ao pobre. Mais tarde foi visitado por Jesus Cristo, que lhe agradeceu a caridade. Isto o levou a converter-se.

Martinho de Tours tinha a fama de curar até mesmo quem não queria ser curado, por isso os pedintes aleijados ou chagados fugiam dele, com medo de perder seu ganha-pão. Mas Martinho os curava mesmo assim, até depois de morto, por isso eles temiam aproximar-se de sua tumba em Tours. (A exploração da doença pelos esmoleiros é bem mais antiga do que se pensa.)

Em Portugal registram-se adágios referentes à festa de São Martinho, celebrada no outono europeu, relacionando-a ao vinho, às castanhas e ao porco; neste caso, trata-se da destinação do porco ao abate e consumo em honra do santo.

Termina João Ribeiro dizendo que, por serem porco e porco sujo nomes dados pelo povo ao Diabo, este tem suas razões para fugir daquele santo, que o desmascara e afugenta.

Para concluir: Sendo o porco, na nossa cultura, um animal considerado por muitos como impuro, por motivos religiosos, e apontando-se a possessão pelo(s) demônio(s) como causa de diversas condutas inadequadas, não é difícil entender porque a locução espírito de porco aponta para os maus procedimentos e ações e, por extensão, para seu suposto responsável, o Diabo.

Notas:
1. A primeira versão deste artigo esteve disponível entre 1999 e 2006 em www.napoleao.com, sítio do extinto Curso do Prof. Napoleão Mendes de Almeida. Foi também publicada, em duas partes, no boletim mensal da Ordem dos Velhos Jornalistas de São Paulo (OVJ/SP), sob a direção de Antônio Carvalho Mendes (1933-2011), além de ter aparecido também em outras páginas Web.
2. NASCENTES, Antenor. Tesouro da Fraseologia Brasileira. 2.ª edição. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1966.
3. CÂMARA CASCUDO, Luís da. Locuções Tradicionais no Brasil. Coisas que o Povo Diz. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1986.
4. PÉREZ, José (Org.). Talmud. São Paulo: Edições Cultura, 1942.
5. Os quatro livros dos Macabeus foram escritos originalmente em grego e narram episódios da vida dos judeus na época helenística; receberam esse nome devido aos irmãos Judas e Simão Macabeu, fundadores da dinastia dos Asmoneus, que governou a Judeia antes do domínio romano. Os quatro livros dos Macabeus não fazem parte da Bíblia protestante nem do cânone judaico, mas estão presentes na Bíblia da Igreja Ortodoxa. A Bíblia católica contém apenas I e II Macabeus. Mais aqui: https://pt.wikipedia.org/wiki/Livros_dos_Macabeus.
6. SIMÕES, Alzira. O porco: animal sociocultural total. Mneme: Revista de Humanidades. Caicó (RN), V. 04. N. 09, fev./mar. de 2004. pp. 41-64. Disponível em: <http://www.periodicos.ufrn.br/mneme/article/viewFile/181/169>.
7.  RIBEIRO, João. Frases Feitas. 2.ª edição. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1960.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Da Bielorrússia à Geórgia

Mapa (em inglês) com parte da Europa e Cáucaso, mostrando alguns dos estados originados do esfacelamento da URSS e da Iugoslávia.
Fonte: 
http://map-europe.blogspot.com.br/2013/01/eastern-europe-regions-map-detail.html.
I. Em 1991, o mundo acompanhou a tentativa de golpe da linha dura soviética contra Mikhail Gorbachov, além dos canhonaços a mando do presidente da República da Rússia, Boris Yeltsin – diz-se que este não estava nada sóbrio –, em defesa da ordem vigente. O governo de Gorbachov não caiu ali, mas de nada adiantou, pois meses depois ocorreu a fragmentação da União Soviética. De um dia para o outro… Dosvidániya! Sumiu do mapa uma das potências que polarizavam as forças político-econômicas do mundo de então, e surgiram 15 repúblicas, cada uma com sua(s) língua(s), sua capital, sua moeda etc.

Após quase 25 anos, muita coisa mais mudou no mapa-múndi: uma província da Etiópia desmembrou-se, formando a Eritreia; tornou-se independente Timor Leste, menor e mais jovem país de língua oficial portuguesa; a Tchecoslováquia desmembrou-se em Eslováquia e República Tcheca; a Iugoslávia fragmentou-se também, de forma muito violenta; o Sudão cindiu-se em dois, surgindo daí o Sudão do Sul; e a ex-república soviética da Geórgia luta ainda hoje contra separatistas de províncias que também querem dela desmembrar-se para juntar-se à Rússia – ou, se puderem, cortar de vez o cabresto que as liga a esta.

Só não mudou a confusão que toma conta da imprensa brasileira com relação aos nomes de novos estados que surgiram após 1991: conforme o jornal, seja ele impresso ou virtual, transmitido por rádio ou televisionado, o nome de um único país pode ter várias grafias e pronúncias diferentes, com ou sem acento gráfico. Vêm-me à mente, neste momento, as ex-repúblicas soviéticas da Bielorrússia e Moldávia.

Essa imprecisão e descuido no uso de nomes geográficos atrapalha muito os leitores, principalmente os estudantes, que passam a ter dúvidas quanto às formas corretas; mais espantoso ainda é o fato de que, em quase todos os casos, tudo isso poderia ser evitado – pelo menos em parte – com a simples consulta a uma boa enciclopédia ou ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, também conhecido como VOLP, da Academia Brasileira de Letras.

II. Os nomes das duas ex-repúblicas soviéticas que cito acima – Bielorrússia e Moldávia – são os mesmos que todos aprendemos quando estudamos geografia (eu os aprendi ainda na década de 1980) e encontram-se nos dicionários, enciclopédias e na maior parte dos órgãos de imprensa. Alguns dos principais jornais brasileiros, porém, teimam em manter as formas Belarus e Moldova, tomadas do inglês, o que causa confusão nos leitores e nos estudantes, que ficam sem saber a forma correta desses nomes em português.

Devido à sua ortografia predominantemente etimológica, a língua inglesa e a francesa tomam de empréstimo palavras estrangeiras sem alterar-lhes a grafia, apenas adaptando a pronúncia delas a seu sistema fonológico; por isso a quase total imprevisibilidade da pronúncia e da grafia do inglês, principalmente, o que exige sua indicação nos dicionários e enciclopédias naquela língua. Não é o caso do português, que, apesar de sua grafia em parte etimológica (em que as palavras são grafadas de acordo com a grafia da língua de origem), possui normas bem definidas quanto aos demais casos.

Exemplifico: grafamos a palavra rosa com S porque era assim grafada em latim, ainda que a pronúncia fosse diferente da nossa; o mesmo para gesso, exército, mesa, cedo, Egito, Escócia (de gypsum, exercituum, mensa, citu, Aegyptus, Scotia, respectivamente, dos quais aquelas palavras vieram através do latim, seja o vulgar ou o clássico). Por isso, muitos nomes geográficos, principalmente os mais antigos e tradicionais, já possuem forma vernácula portuguesa, ou podem vir a tê-la, de acordo com nossas normas ortográficas. O fato de alguns nomes terem sido deixados de lado pela imprensa nos últimos anos não impede que as formas vernáculas sejam empregadas: as cidades alemãs de Estugarda, Francoforte e Lípsia são mais conhecidas no Brasil por seus nomes alemães: StuttgartFrankfurt e Leipzig, respectivamente, enquanto os nomes tradicionais continuam a ser usados em Portugal – assim como os falantes de inglês, francês e espanhol, os portugueses não têm vergonha de sua língua – que também é a nossa, até prova em contrário.

Lembro-me bem de, num mesmo canal de televisão, durante a Olimpíada de Pequim (2008), ter ouvido e visto a Bielorrússia ser chamada assim e de outras duas formas diferentes: Belarus (oxítona) e Belárus (paroxítona, grafada com ou sem acento gráfico). Quatro anos depois, na Olimpíada de Londres, o caso repetiu-se.

Os bielorrussos são um povo eslavo, e formam com os russos e ucranianos, seus parentes mais próximos, um dos subgrupos linguístico-culturais eslavos (as três línguas são escritas com letras cirílicas, assim como o búlgaro, o macedônio e o sérvio). A Bielorrússia (ou Rússia Branca, como se dizia antes) é assim chamada – entre outras hipóteses – por não ter seu território caído sob o domínio mongol ou tártaro (donde viria uma suposta pureza étnica eslava, sem miscigenação com povos conquistadores não eslavos).

Não imagino o que pode ter levado jornalistas a desprezar a forma já consagrada Bielorrússia, empregada nos livros escolares, dicionários, enciclopédias e obras de referência, para adotar a grafia Belarus; é possível que se tenha traduzido (e mal) uma notinha em inglês de alguma agência internacional, e o desconhecimento (?!) do assunto, aliado à falta de consulta de uma enciclopédia em português – costume bem arraigado em nossa cultura, pois temos pouca intimidade com dicionários e obras de referência –, teve como resultado esta barafunda toponímica.

III. Diga-se o mesmo do nome da Moldávia, país de língua e cultura predominantemente romenas: é parte do território conhecido em outros tempos como Bessarábia; no início do século XX a porção de língua romena juntou-se à Romênia, sendo mais tarde anexada pela União Soviética e formando a República Socialista Soviética da Moldávia. Tornou-se independente em 1991.

É difícil entender o porquê do uso do nome Moldova na imprensa brasileira atual, se até em histórias em quadrinhos se registrava a forma vernácula portuguesa. Lembro-me de quando, na adolescência, lia gibis (revistas em quadrinhos) de super-heróis, dentre os quais os das personagens da DC (Detective Comics). A personagem Jason Blood (criação de Jack Kirby), um estudioso de ciências ocultas e misticismos diversos, alter-ego de Etrigan, transformava-se neste ser demoníaco ao proferir certo encantamento:
“Abandone a forma humana vilã, erga-se o demônio Etrigan!”
Esta personagem tinha ligações com certo castelo Branek, situado no coração da… Moldávia! As editoras Ebal e Abril, ao editar suas revistas, usavam a forma Moldávia, não Moldova, que só entrou em português brasileiro na década de 1990 e porque, assim como Belarus, é a forma usada em inglês.

Diga-se, de passagem, que ambas as editoras, principalmente a Abril, neste quesito, eram irrepreensíveis: suas publicações em quadrinhos, além da qualidade gráfica, primavam pela excelência do texto, bem traduzido, bem redigido e com muita criatividade – como se via nos procedimentos de tradução e adaptação dos nomes de personagens de editoras estrangeiras, como Marvel, DC e Disney. Mas a EBAL, lamentavelmente, extinguiu-se há 20 anos, e quanto à Abril, não sei como andam as coisas por lá hoje, pois deixei de ler histórias em quadrinhos…

Imagino dois focas (ou nem tão focas assim) numa redação, recebendo por fax, telex, videotexto – ou pelo correio, mesmo, quem sabe (ora, era assim que se comunicava antes da Internet!) – a notícia da queda do regime dos sovietes… (Alguém ainda se lembra do que era isso?) Junto vem um mapa, feito nos States, com a divisão política surgida. Alguém exclama, embasbacado com a novidade, esquecido (!?) das aulas de geografia do ginásio e colegial (atuais 2° ciclo do ensino fundamental e ensino médio, respectivamente):
– “Puxa! Você sabia que a União Soviética era constituída de 15 repúblicas?”
– “Nããããão… Puxa, que diferente! O que está escrito aqui? BélarusBelárrius?”
– “E aqui: MóldouvaMoldouva?”
– “Sei lá… Mas vamos escrever isso aí mesmo, é o que os gringos usam. Fica maneiro.”
– “Só…”

E assim a confusão se propaga…


Mapa do Cáucaso, em que se veem a Geórgia, Abcázia, Ossétia do Sul e Chechênia, além de outras áreas em constantes conflitos étnicos. Fonte: Wikipedia.

IV. Mas voltemos ao que nos interessa.


Bandeira da Chechênia.
Fonte: Wikipédia.
Vê-se também aqui e ali a forma Tchetchênia (com pronúncia imitada do inglês), desnecessária, pois a forma vernácula portuguesa é Chechênia.  Esta é uma república que faz parte da Federação Russa e enfrenta um forte movimento que deseja separá-la da Rússia e formar um estado independente. Outra palavra na mesma situação é Chuváchia, nome de outra república russa, a qual vemos grafado também como Tchuváchia.

Mas por que devemos dizer e escrever Chechênia e não TchetchêniaChuváchia e não Tchuváchia? O som representado em inglês e espanhol pelo dígrafo CH, em italiano por CI, em francês por TCH e em alemão pela sequência TSCH, não existe como fonema em português, ocorrendo apenas como variante (alofone ou alófono) posicional do fonema /t/ no português falado em certas partes do Brasil, como RJ, MG, ES, partes de SP e de estados do Norte e Nordeste.

No português falado nessas áreas brasileiras, quando o fonema /t/ vem seguido de /i/ (ou de um /e/ átono que se reduziu a [i]), ele assume a forma sonora variante [tch], como nas palavras tio, pátio, Tiago, títere, tinto, batida, vítima, ático, leite, que são pronunciadas como [tchiu], [pátchyu], [tchiagu], [tchíteri], [tchintu], [batchida], [vítchima], [átchiku], [leytchi]; em outros locais, o /t/ assume a forma [tch] quando vem precedido de /i/: oito, dezoito, biscoito, eita soam como [ojtchu], [dezojtchu], [biskoytchu], [eytcha], o que constitui um fenômeno mais raro; sei que ocorre (ou ocorria) em alguma parte de Pernambuco, pois conheci pessoas do interior daquele estado cujo dialeto apresentava essa variante de /t/.

(Nota: Esse [y] representa o /i/ átono e breve de palavras como /pai/, /leite/ etc. Nas transcrições, usando algumas combinações gráficas, procurei facilitar a compreensão das representações fonéticas para os não versados em fonologia e fonética.)

Portanto, palavras que nas línguas acima e em outras apresentam esse som TCH mantêm, em português, a grafia com CH, como cheque (palavra originária do inglês check), pelo que a pronúncia é como a de chave. As exceções, além das variantes regionais de /t/ citadas acima – variantes de pronúncia, não de grafia –, são: tchê (do espanhol platino che), tchau (do italiano ciao) e o substantivo-adjetivo tcheco (a) e seus derivados (por imitação da pronúncia e grafia francesas tchèque); neste último caso há as formas mais antigas checo (a)Checoslováquia etc., menos usadas, porém, e também corretas e registradas nos dicionários e vocabulários da Academia Brasileira de Letras.

O mesmo procedimento devemos ter, então, com os nomes Chechênia, checheno (a), Chuváchia, chuvache e derivados, além de outros casos análogos: mesmo que a pronúncia original seja com o som [tch] (em russo as pronúncias são, respectivamente, Tchétchniya, e Tchuváchiya, aproximadamente), devemos grafar sempre com CH, pronunciando à maneira portuguesa.

As formas portuguesas são, portanto, com CH: ChechêniaChuváchia.

V. Para concluir, falemos da Geórgia, outro país que voltou a ocupar as manchetes e o interesse internacional há alguns anos (não confundir com o estado norte-americano homônimo), devido a duas de suas regiões autônomas se terem declarado, de forma unilateral, independentes: Ossétia do Sul e Abcázia. Quanto a esta, costumam-se encontrar também em português as grafias AbecáziaAbcásia e Abecásia, o que mostra haver ainda muita confusão quanto à forma oficial em nossa ortografia; os órgãos competentes, entre eles a Academia Brasileira de Letras, ainda não se manifestaram sobre o assunto, se é que um dia o farão.


Brasão de armas da Abcázia.
Fonte: Wikipedia.
Seja como for, as formas com Z são condizentes com o étimo russo, cuja transliteração é Abkháziya, donde veio a forma inglesa Abkhazia, empregada desnecessariamente no Brasil; as formas com S remetem, possivelmente, ao nome latino da região, Abascia. Como não existe em português o fonema russo representado nas transliterações internacionais pelo dígrafo KH (existe em espanhol, representado por J: mujer, jamón, eje, Alejo), devemos, em português, reduzi-lo a C, neste caso. Em espanhol se grafa Abjasia, em italiano Abcasia, o que talvez seja também a explicação para as formas portuguesas com S, como nestas línguas-irmãs do português.

Como se resolve tal impasse? O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) registra a forma gentílica abcázio, com Z, o que significa que o nome desse país em português deve ser Abcázia, também com Z, portanto, e mais próxima do étimo.


O nome da Geórgia em georgiano, língua do país, é Sakartvelo, e em russo é Grúziya. Os georgianos são um povo de origem caucásica e majoritariamente cristão ortodoxo, que habita há mais de 2.000 anos aquela região entre a Rússia e a Turquia, que lhe disputaram o território e hoje buscam expandir sua influência ali. A língua georgiana não teve, até o momento, seu parentesco relacionado a outras línguas, permanecendo com classificação isolada.


Bandeira da Geórgia, com cruzes de São Jorge.
Fonte: Wikipedia.
O nome Geórgia, usado nas línguas europeias ocidentais para designar aquele país, possivelmente lhe foi dado devido à grande difusão ali do culto a São Jorge, que segundo a tradição ortodoxa foi introduzido na região por Santa Nina da Geórgia, nascida na Capadócia, como São Jorge, e tida como sobrinha deste santo. São Jorge é o padroeiro do país – assim como nos países católicos romanos, é santo muito popular nos países católicos ortodoxos.

O georgiano mais famoso foi certo Ioseb Besarionis dze Djughashvili, mais conhecido como Josef Stalin.


Um dos mais belos alfabetos, o georgiano, com uma transliteração em caracteres latinos.
Fonte: http://www.mochileiros.com/georgia-nao-o-estado-americano-mas-o-pais-do-caucaso-t102487.html.

Santarém, Pará, 11/9/2012. Editado em 14/9/2015.

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